Por Reverenda Myokei Caine-Barret

A estátua de uma mulher entre a névoa das quedas d’água no pé do Monte Shichimen é uma das paisagens mais excitantes que já vi. Seu exemplo como uma praticante do Sutra do Lótus me inspirou e mexeu tanto comigo que eu resolvi saber mais. Nesse artigo da série sobre as mulheres no budismo Nichiren, eu vou compartilhar a história de uma mulher heroica conhecida como Dama Oman, ou Yo-ju-in O-man-no Kata, que viveu entre 1577-1653.

Considerada nascida sob uma estrela de má sorte em 1577, Dama Oman foi filha de Masaki Sakondayu Yoritada, Senhor da Província de Katsuura, Prefeitura de Chiba atualmente. A guerra civil forçou a família Masaki a deixar Katsuura e se mudar para a Província de Awa para viver com parentes. Senhor Masaki entrou para o sacerdócio budista, construiu um pequeno templo em Narikawa e se devotou a propagar os ensinamentos de Nichiren à população local. Sua esposa e filha foram deixadas à própria sorte.

É dito que Tokugawa Ieyasu, fundador do xogunato Tokugawa encontrou a Dama Oman em 1593 e se apaixonou à primeira vista. Ele convidou ela para morar no Castelo de Edo como uma das damas da corte que, embora casada com Ieyasu, não era consideradas esposas legítimas. Isso era típico dos casamentos poligâmicos daqueles tempos. Em 1602 ela deu à luz ao seu primeiro filho, Chofuku Maru, posteriormente chamado Yorinobu. Então em 1603 nasceu seu segundo filho, Tsuruchiyo Maru. Eles eram o 10º e 11º filhos de Tokugawa Ieyasu. Ela se devotou aos seus filhos, criando eles para se tornarem homens de valor e de bom caráter, com firme base na fé no Sutra do Lótus e nos ensinamentos de Nichiren Shonin.

Jorakuin Nikkyo, abade do Templo Myomanji de Quioto, era um ardente seguidor de Nichiren e encorajou praticantes da Escola Jodo Shinshu à se converterem ao Budismo Nichiren. Em outubro de 1608, Tokugawa Ieyasu, em nome do Xogum, patrocinou debates entre as duas Escolas no Castelo de Edo. Nikkyo foi fisicamente atacado pelos membros da Escola Jodo Shinshu e se feriu à ponto de ficar incapacitado de se apresentar com sucesso. Ele e vários outros sacerdotes Nichiren foram mandados novamente para Quioto como derrotados sem suas orelhas e narizes. O governo então buscou garantir uma promessa de Nichion Shonin, abade em Minobusan, de que todos os monges Nichiren deveriam se abster de debater com outros budistas. Nichion recusou, pois considerava que o debate e a pregação aos outros budistas eram o desejo de Nichiren Shonin. Com ódio, Tokugawa Ieyasu ordenou que Nichion fosse crucificado.

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Dama Oman implorou para que Ieyasu perdoasse Nichion, que havia ensinado para ela sobre o Sutra do Lótus. Quando Ieyasu recusou, ela prometeu cometer suicídio imediatamente depois da crucificação de Nichion. Confidenciando aos filhos a sua promessa, pediu para que eles continuassem se devotando ao Sutra do Lótus após a morte dela. Os dois filhos então suplicaram à Ieyasu pela vida da mãe. Por causa de sua profunda afeição pelos filhos, Ieyasu perdoou Nichion.

Temendo represálias e futuras interferências do governo na propagação do Budismo Nichiren, Nichion não retornou de imediato ao Monte Minobu. Dama Oman doou recursos para a construção de um templo no local da pequena cabana aonde ele estava vivendo. Esse templo é conhecido como Honnoji de Ono. Em 1615, Nichion retornou para o Kuonji com a permissão do Xogum aposentado Ieyasu.

Tokugawa Ieyasu morreu em 1616, aos 75 anos de idade, e foi consagrado no santuário xintoísta Tōshō-gū localizado em Nikkō. Dama Oman realizou um magnífico funeral ao estilo Nichiren e cerimônias memoriais para ele, embora ele fosse um devoto de Amida. Dama Oman se tornou então monja, discípula de Nichiyo Shonin, abade do Templo Kannoji de Shizuoka. Em 1617 ela gastou aproximadamente 100 dias copiando 10 mil vezes o Odaimoku pelo descanso tranquilo de Ieyasu.

No ano seguinte, em 1618, ela arranjou o casamento de seu filho Yorinobu com Yaehime, a filha mais velha de Kato Kiyomasa. Yorinobu se tornou Conselheiro Chefe, Senhor das Províncias de Ise e Kii. Em 1619 ele se mudou para o recém construído Castelo de Wakayama com sua esposa e sua mãe. Registros indicam que na procissão para o castelo, sua mãe teve destaque, ocupando uma posição de honra, ao contrário do costume que colocava as mulheres numa posição de menor status. O Senhor Yorinobu tratou sua mãe com grande respeito.

Dama Oman então realizou uma grande cerimônia memorial dedicada à Ieyasu Tokugawa no Templo Kuonji em que mais de 1.200 monges recitaram o Sutra do Lótus 10 mil vezes por 10 dias. A Dama Oman também expressou seu desejo de prestar homenagem à Shichimen Daimyojin, a deusa guardiã do Budismo Nichiren, dita manifestação de uma deusa dragão. Os sacerdotes do Kuonji desaprovaram, pois, a montanha era julgada fora dos limites das mulheres, que eram consideradas impuras.

Dama Oman nunca desistiu de seu desejo de prestar homenagem à Shichimen Daimyojin, apesar da oposição dos sacerdotes. Ela foi avisada repetidas vezes de que o caminho para atingir o topo da montanha Shichimen era muito difícil para as mulheres. Ela finalmente conseguiu permissão para visitar um pequeno santuário no vilarejo de Akazawa, no pé do monte Shichimen, onde muitas mulheres prestaram homenagens à deusa. Ela se purificou se banhando na queda d’água de 50 metros de altura, mais tarde batizado de Oman-no-Taki. Atualmente, é neste local onde as mulheres prestam seus respeitos antes de subir o monte Shichimen.

Mais tarde, a Dama Oman pagou para que trabalhadores construíssem um novo caminho para o topo do monte Shichimen. Após a finalização da obra, ela percorreu a trilha e se tornou a primeira mulher a conseguir alcançar o topo da montanha. Ela percorreu esse caminho no total de três vezes, sendo que a última vez foi em 1650, quando ela já tinha 74 anos. Ela faleceu em 1653, com 77 anos.

Um de seus sobrinhos, Nikkon, se tornou o terceiro abade do templo Honnonji. Seu neto, Gyoten Nichijun, filho de Yorinobu, também se tornou monge e fundou o templo Hooji no Castelo de Wakayama. Após a morte da Dama Oman, seu filho Yorinobu, apesar de seu alto cargo como Conselheiro Chefe do Estado, junto com Nikkon, carregou o caixão de sua mãe nos ombros até o crematório.

Dama Oman fez muitas contribuições importantes para a propagação do Budismo Nichiren durante a sua vida. Ela mandou construir muitos templos, incluindo o templo Hompoji de Mito, dedicado ao repouso de seus falecidos pais. Outros templos notáveis foram o Myohokkeji na Província de Izu, dedicado ao discípulo de Nichiren Shonin chamado Nissho Shonin; Renshinji em Surugua, dedicado ao seu avô; e o Reneiji em Shizuoka, no qual uma imagem de Nichiji Shonin, o primeiro missionário além-mar, está consagrada. Além desses, seus netos também dedicaram muitos templos em sua memória.

Esta é uma visão breve da vida de uma mulher forte e determinada. Muito fica para ser aprendido. Está claro que a Dama Oman se dedicou à fé e propagação dos ensinamentos de Nichiren por todo o Japão. Ela se levantou por aquilo que ela acreditava ser importante. Ela é um excelente exemplo para todas as mulheres que seguem o Sutra do Lótus e os ensinamentos de Nichiren porque ela nunca permitiu que a sociedade ou o gênero determinasse seu caminho e seguiu o seu coração. Durante sua vida, e hoje em dia, seu caráter e determinação suscita muito respeito.  Como poderia ser diferente?

 

Myokei Caine-Barrett é Episcopisa da Ordem Nichiren da América do Norte, ministra residente do templo Myoken-ji de Houston, Texas.

Tradução: Yotatsu Chiamulera

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