Por Reverendo Sensho Komukai

Acordem!” Demorou alguns momentos até eu perceber o que estava acontecendo às duas e meia da manhã. “Levantem-se! Está na hora do ritual do banho de água! Apressem-se!” De repente, lembrei-me a onde eu estava: no Aragyo, participando dos 100 dias de prática ascética. Era o segundo ou terceiro dia? Não me recordo exatamente, embora tenha se passado seis meses, desde que eu estive lá. Provavelmente, eu estava dormindo por volta das duas e meia da manhã, mas me pareceram apenas cinco minutos. Embora eu estivesse morto de cansado, reuni energia suficiente para me levantar e dobrar minhas roupas de cama, e entrar na fila para realizar o banho de água ritual. A escuridão era total e não acho que eu estivesse totalmente acordado, até que o balde de água derramou sobre mim. Ainda que fosse apenas o começo de novembro, a água estava fria o suficiente para me acordar. Isto foi apenas o início de um dia muito longo.

A prática de Aragyo de 100 dias começa em 1º de novembro e dura até 10 de fevereiro. Durante este tempo, cada reverendo participante realiza o ritual de banhos de água, começando as 3h da manhã até as 23h. O ritual dos banhos de água é chamado Suigyo em japonês. Leva-se uma hora para todos os reverendos participantes completarem o ritual. Entre os rituais de banho de água, se recita o Sutra do Lótus, tão alto quanto possível. Em pouco tempo, alguém chega a ficar rouco. Durante a recitação do sutra, os reverendos sentam-se ajoelhados com as pernas dobradas debaixo de si (postura de seiza) por mais de uma hora. Então, alguém logo sente uma dor terrível nas  pernas. Para as refeições, os reverendos são servidos com mingau de arroz e sopa de missô duas vezes ao dia. Tudo começa a parecer comestível, porque se está constantemente com fome. Uma barriga vazia junto com a privação de sono faz com que se sinta o coração pesado o dia todo.

O que eu ganhei com a prática de Aragyo? Eu diria que percorri os seis reinos da ilusão, do inferno ao céu. Não havia liberdade nem tempo para perseguir meus passatempos habituais, nenhum relaxamento, o que significava que eu estava sofrendo no inferno. Quando eu estava com fome, as duas refeições diárias nunca satisfaziam meu apetite. Com os olhos ardentes, eu procurava algo mais para comer, o tempo todo, em todos os lugares, pois, eu estava no reino dos espíritos famintos. Além disso, eu me encontrava no reino dos animais, quando instintivamente eu agia de forma egoísta: não tentava ser gentil com os outros reverendos e nem tentava incentivá-los. Quando eu ficava com raiva ou irritado, devido ao estresse e tensão da prática, eu estava no reino dos demônios combatentes (asuras), quase prontos para lutar por ninharias.

Como eu voltei para o reino dos seres humanos? Aconteceu com a aproximação do último dia. Refletindo sobre os 100 dias, comecei aos poucos, compreendendo a fome, porque me ajudou a valorizar a comida. A sonolência crônica me fez apreciar o quanto é agradável se deitar para descansar e dormir. Embora meu pé esquerdo estivesse dolorido, a razão principal de eu ser capaz de suportar a severidade da prática de 100 dias, foi porque não tive nenhuma doença grave. Sou muito grato por ter permanecido saudável.

No último dia, me senti na terra pura do Buda. Às seis horas da manhã de 10 de fevereiro, eu estava prestes a passar pelo portão aberto. Ouvi vozes altas e tambores. Ouvi as vozes das pessoas, vindas de todo o país, esperando do lado de fora do portão, recitando Namu Myoho Renge Kyo. Fiquei emocionado, encantado, e chorei de alegria! Como o ar é fresco! Como é bela a visão do mundo exterior! Como é maravilhoso encontrar esta multidão enorme de fiéis praticantes. Olhando por cima do meu ombro, para ver o portão, eu me perguntei se eu voltaria lá novamente. Bem, isto depende.

Monges em procissão para a entrada do Aragyo em Nakayama Hokekyoji

(Editor – Reverendo Komukai participou da Prática de 100 dias entre 1º de novembro de 2006 e 10 de fevereiro de 2007)

(*) Texto original publicado no Nichiren Shu News em junho de 2007.

Tradução da Sangha Hokekyoji Nichiren Shu Brasil em março de 2022.

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