Por Reverendo Ryuei McCormick

Apontando o Caminho para a Prática Correta do Sutra do Lótus: Introdução

Nichiren é conhecido pela sua defesa do Sutra do Lótus e por sua denúncia contra outras escolas budistas resumidas com frequência nas “quatro admoestações”: “Budismo da Terra Pura é o caminho que leva ao Inferno do Sofrimento Incessante; Zen Budismo é o ato de demônios celestiais que dificultam o caminho budista; Budismo da Verdadeira Palavra (Shingon) é um ensinamento do mal que leva a destruição da nossa nação; e Budismo da Disciplina (Ritsu) é um falso ensinamento de traidores”. Estas admoestações podem ser encontradas espalhadas pelos escritos de Nichiren e não há dúvida de que Nichiren condenava as Escolas da Terra Pura, Zen, Verdadeira Palavra (J.Shingon) e Preceito (J.Ritsu). Por que Nichiren condenou estas quatro escolas do budismo? É porque Nichiren viu estas quatro escolas ativamente difamando o Sutra do Lótus e fazendo com que as pessoas se afastassem do sutra. Em vez de abraçar o ensinamento que poderia permitir que todas as pessoas alcançassem o estado de Buda e transformassem este mundo em uma terra pura, as pessoas de sua época estavam adotando ensinamentos que Nichiren considerava debilitantes para o indivíduo e para a sociedade como um todo.

Para muitos de nós, as quatro admoestações soam muito negativas e sectárias. No entanto, eu acredito que as quatro admoestações são coerentes com os ensinamentos do Buda Sakyamuni. De acordo com o Mahaparinibbana-sutta dos Longos Discursos do Buda (como traduzido por Maurice Walshe), o Buda passou seu último ano certificando-se que o Dharma fosse ensinado corretamente após sua morte.

Em sua última excursão de ensino juntos, o Buda disse a Ananda, “Eu ensinei o Dharma sem fazer qualquer distinção entre ensinamentos esotéricos e exotéricos, não há nada, Ananda, concernente aos ensinamentos que o Tathagata tenha retido até o final com o punho cerrado de um mestre que não transmite todos os ensinamentos.”. O Buda quis dizer que ele nada reteve. Não haveria ensinamentos secretos a serem passados para nenhum sucessor. Isso enfraquece as reivindicações de qualquer grupo que alegue que alguém precisa de iniciações especiais ou empoderamentos, ou aprender rituais esotéricos especiais para alcançar o despertar. Através da nossa fé no Sutra do Lótus somos iniciados diretamente no Estado de Buda e capacitados para tornar real as qualidades da visão clara e virtude do Buda em nossas vidas diárias.

O Buda disse então: “Você deve fazer de si mesmo uma ilha, deve ser seu próprio refúgio, não há outro refúgio. Faça do Dharma a sua ilha, faça do Dharma o seu refúgio, não há outro refúgio”. Aqui o Buda está dizendo que encontraremos o Dharma em nossas próprias vidas. Não é algo que nos será dado por algum salvador externo. Ele não diz nada aqui de ter que morrer e renascer numa terra pura. A Terra Pura da Luz Tranquila é encontrada mantendo o Sutra do Lótus aqui e agora.

No seu leito de morte, embaixo das árvores Sala, o Buda disse, “O que lhes ensinei e expliquei como Dharma e disciplina será, após a minha morte, o seu professor”. De acordo com este relato o Buda não indicou um sucessor ou patriarca. De fato, Buda afirmou anteriormente que, após sua morte, qualquer ensinamento apresentado como o Dharma deveria ser verificado comparando-o aos discursos reais do Buda. No Budismo Nichiren é ensinado que cada um de nós herda o Dharma diretamente dos rolos do Sutra do Lótus.

O Buda também disse a Ananda, “Se eles quiserem, a Sangha poderá abolir as regras secundárias após minha morte”. No primeiro concílio budista, contudo, foi decidido manter todos os preceitos em vigor.  Para Nichiren, a conformidade com tais preceitos de outro tempo e lugar perdia o ponto focal do budismo como ensinado no Sutra do Lótus. Como Budistas Nichiren não tomamos preceitos formalmente, mas vivemos no espírito do Namu Myoho Renge Kyo.

As admoestações finais do Buda e as quatro admoestações de Nichiren ambas mostram que podemos praticar o Dharma diretamente e imediatamente. Não precisamos depender de iniciações esotéricas, salvadores externos, transmissões patriarcais ou adesão formal a preceitos. Nos próximos quatro artigos desta série, espero abordar as admoestações de Nichiren no contexto de seu tempo e explorar se elas podem nos guiar em nossa própria prática hoje.  Mãos em prece.

 

A Senda da Terra Pura Leva ao Sofrimento Incessante?

Este artigo examinará a admoestação de Nichiren, “Budismo da Terra Pura é um caminho que leva ao Inferno do Sofrimento Incessante”. Tal declaração de confronto é ofensiva para grande número de budistas das tradições do leste asiático que praticam a recitação do nome do Buda Amida, então é importante entender exatamente o que Nichiren Shonin quis dizer com isso.

O Budismo da Terra Pura é baseado nos três sutras conhecidos coletivamente como os Sutras Tríplices da Terra Pura: o Sutra do Buda da Vida Infinita (Muryoju-kyo), o Sutra da Meditação sobre o Buda da Vida Infinita e o Sutra da Terra Pura. O Sutra do Buda da Vida Infinita narra a história do Bodhisattva Tesouro do Dharma que fez os 48 votos de criar a terra pura ideal na região ocidental do universo onde os seres poderiam alcançar o despertar. Ao cumprir seus votos, ele se tornou o Buda conhecido como Amida (Luz Infinita) ou Amitayus (Vida Infinita). Em particular, seu 18º voto inspirou a Tradição da Terra Pura e é conhecido como o Voto Original. Este voto declara que qualquer pessoa que pense nele, mesmo por 10 vezes, irá renascer em sua Terra Pura após a morte. Pensar em Buda Amida acabou por ser igualado a recitar o seu nome. Em japonês esta recitação ou Nembutsu assume a forma de “Namu Amida Butsu”. De acordo com os ensinamentos do Budismo Mahayana há muitas terras puras, mas Buda Amida e sua Terra Pura Ocidental se tornou a mais popular. O Budismo da Terra Pura rapidamente se desenvolveu como um segmento importante do Budismo do Leste Asiático.

Honen (1133-1212) foi o fundador da Escola da Terra Pura Japonesa. Ele defendeu que todos deveriam simplesmente recitar Namu Amida Butsu, determinadamente o tempo todo, e que esta era a prática compatível com o Voto Original do Bodhisattva Tesouro do Dharma. A obra principal de Honen, a Coletânea de Passagens sobre o Nembutsu e o Voto Original (Senchaku Hongna Nembutsu Shu), escrita em 1198, insistiu que a prática exclusiva do Nembutsu era a única forma correta de Budismo para as pessoas da era presente incapazes de ter êxito em qualquer outra prática budista.

Nichiren Shonin criticou Honen por agrupar todos os sutras, ensinamentos e práticas do budismo, fora dos Sutras Tríplices da Terra Pura, e recomendar que eles fossem abandonados, encerrados, separados e descartados. Nichiren argumentou que era errado rejeitar o ensinamento último do Sutra do Lótus em favor do ensinamento provisório dos Sutras Tríplices da Terra Pura. Nichiren rejeitou o pessimismo de Honen em relação à capacidade espiritual das pessoas. O Sutra do Lótus é destinado exatamente para as pessoas comuns da Última Era do Dharma que ganharão mérito incalculável como iniciantes que assumem a fé nele. Nichiren Shonin encorajou todas as pessoas a terem fé no Sutra do Lótus e entoar o Odaimoku, Namu Myoho Renge Kyo, para cultivar a semente do Estado de Buda. Através do Odaimoku as pessoas perceberão que a única terra pura verdadeira é este mundo agora, onde o Estado de Buda é uma possibilidade universal, e para aqueles capazes de percebê-la pela fé, uma realidade presente.

De acordo com a senda da Terra Pura, é preciso renascer na Terra Pura para despertar para o Dharma Maravilhoso. O Sutra do Lótus expõe diretamente a plenitude do Dharma Maravilhoso, aqui e agora, na presença do Buda Eterno. Portanto, não faz sentido abraçar o caminho indireto de encontrar o Dharma Maravilhoso somente após a morte, excluindo a possibilidade de encontrar o Dharma Maravilhoso aqui e agora. E não faz sentido alegar que os Sutras Tríplices da Terra Pura devem ser usados para afastar as pessoas da exposição do Dharma Maravilhoso no Sutra do Lótus, o que não seria a intenção dos Sutras Tríplices da Terra Pura.

O argumento de Nichiren é que abraçar o pessimismo e o alheamento da prática exclusiva do Nembutsu é um mal-entendido do ensinamento Mahayana e uma rejeição ao Dharma Maravilhoso ensinado no Sutra do Lótus. Visto que isto vai contra o Dharma do Buda, é, portanto, uma senda que conduz ao sofrimento incessante. Que os ensinamentos da Terra Pura não devem ser usados para negar a expressão direta do Dharma Maravilhoso é uma crítica que eu acredito que se sustente ainda hoje.

 

Zen Budistas são Demônios Celestiais?

Nichiren Shonin advertiu: “Zen Budismo é o ato de demônios celestiais que dificultam o caminho budista”. O Zen se tornou muito popular fora do Japão, então é uma tradição que os Budistas Nichiren provavelmente encontrarão. Portanto, é importante entender esta escola e a admoestação de Nichiren.

O nome “Zen” é a pronúncia japonesa para a transliteração chinesa da palavra sânscrita para “absorção meditativa” que é dhyana. A prática principal do Zen é a meditação, mas todos os budistas compartilham esta prática. Como então o Zen é diferente? O seguinte verso expressa o que distingue o Zen:

Uma transmissão especial além das escrituras,      

Não encontrado em palavras e letras,

Ao mirar diretamente para a mente,

Permite ver a verdadeira natureza da pessoa e alcançar o Estado de Buda.

 

Este verso é atribuído a Bodhidharma (5th – 6th século C.E.) o lendário primeiro patriarca do Zen que trouxe a tradição da Índia para China. Os versos foram realmente compostos séculos mais tarde. De acordo com o Zen, não pode haver transmissão de segunda mão do Dharma através de escritos, comentários ou boatos. Pelo contrário, o Dharma deve ser realizado através da percepção direta da verdadeira natureza da mente num estado de absorção meditativa unido `a sabedoria perfeita. Além disso, um mestre previamente desperto deverá então autenticar tal realização num encontro face a face para ajudar o discípulo a erradicar a complacência e o autoengano.

Em meados da Dinastia T’ang, havia cinco linhagens de prestígio que vieram a ser conhecidas como as Cinco Casas do Zen, todas descendentes do 6º patriarca Hui-neng (638-713); Keui-yang, Lin-chi, Ts’ao-tung, Yun-men, e Fa-yen. A Lin-chi sobrevive até os dias atuais e a maioria dos abades dos templos na China, Korea e Vietnã pertencem a esta escola. A linhagem Lin-chi é chamada Rinzai no Japão. A Casa de Ts’ao-tung continua a ser uma linhagem importante do Zen no Japão, onde é conhecida como Soto. Durante a Dinastia Sung um novo método de prática do Zen começou a ser usado, especialmente, nas Escolas Lin-chi. Este era o método do Koan. Um Koan é um “caso público” e no uso Zen refere-se às histórias antigas e anedotas dos patriarcas do Zen que são usadas como temas para contemplação.

Um dos primeiros a tentar estabelecer o Zen no Japan foi Dainichi Nonin (12º século), fundador da Escola Bodhidharma. Seus esforços não sobreviveram a ele. Eisai (1141-1215) também fez esforços para propagar o Zen, embora no final ele não estabeleceu uma escola separada da Tendai. Ele preparou o terreno para os futuros professores da China que conseguiram estabelecer o Rinzai Zen. Embora ele tenha permanecido bastante obscuro durante sua própria vida, os esforços de Dogen (1200-1253) foram melhor sucedidos a longo prazo e ele é considerado como o fundador do Soto Zen.

Nichiren Shonin foi bastante crítico do Zen, o ensinamento “além das escrituras”. Ele critica especificamente Dainichi Nonin e o mestre Rinzai Zen Chinês Lan-ch’i Tao-lung (1213-1278) que veio para o Japão. Nichiren não parece ter conhecido ou se preocupado tanto com Dogen ou Eisai. O que Nichiren achou mais desconcertante sobre o Zen foi que seus proponentes alegaram que “a verdade não pode ser expressa por escrito e, portanto, o Sutra do Lótus não é a verdade”. Um exame da literatura Zen indica que desdém retórico pode se tornar bastante extremo, embora o Zen moderno como um todo, de fato, utilize os sutras nas suas cerimônias e para informar sua prática.

Uma outra preocupação de Nichiren Shonin era a dependência na linhagem patriarcal do Zen. Citando o Sutra do Nirvana que diz, “Deve-se confiar no Dharma e não nas pessoas”, Nichiren ensinou que devemos considerar a palavra do Buda no Sutra do Lótus como nosso professor e não em posteriores professores falíveis. A convicção de Nichiren era de que a mais alta forma de meditação não era monopólio de um grupo de elite para transmissão especial. Em vez disso, a meditação deve ser encontrada no Sutra do Lótus e está disponível para todos. No entanto, o ensinamento do sutra deve vir vivo para nós em e através da contemplação real do Dharma Maravilhoso, recitando o Odaimoku, como uma prática para acalmar a mente e abrir o grande insight do Buda.

Budismo da Verdadeira Palavra é um Ensinamento do Mal?

Nichiren alegou que o “Budismo da Verdadeira Palavra (Shingon Japonês) é um ensinamento do mal que leva a destruição da nossa nação”. Nichiren viu o Budismo da Verdadeira Palavra ou Budismo Shingon como a mais insidiosa ameaça contra o ensinamento e prática do Sutra do Lótus. Numa carta para os Lordes Toki e Soya ele escreveu: “Os falsos ensinamentos do Budismo se referem `as falsas opiniões sobre a superioridade comparativa entre as Escolas Shingon e Lótus. A razão da minha crítica contra as Escolas Zen e Terra Pura é com o propósito de esclarecer esse ponto”. (p.195 Escritos da Doutrina de Nichiren Shonin 3) Aqueles de nós que residem fora do Japão provavelmente não estão familiarizados com o Budhismo Shingon. Então, neste ensaio eu gostaria de dar uma breve explicação.

Shingon ou Verdadeira Palavra é uma transliteração da palavra sânscrita “mantra”. É a prática do Mantrayana ou “caminho do mantra” que usa encantamentos especiais como uma forma de prática meditativa por meio do qual alguém pode alcançar o Estado de Buda ou até mesmo metas mundanas. Este tipo de Budismo também é conhecido como o “ensinamento esotérico ou secreto” (mikkyo japonês). O Budismo Esotérico se apresenta como um caminho mais rápido e eficaz para o Estado de Buda do que o caminho presumivelmente mais lento de cultivar as seis perfeições de um Bodhisattva. Originariamente, os textos rituais do Budismo Esotérico eram chamados sutras, mas com o tempo passaram a ser chamados tantras. Em meados do século VIII, o Budismo Esotérico na Índia era chamado Vajrayana, o Veículo Vajra. “Vajra” é um termo sânscrito para “diamante” ou “raio” ou mesmo “adamantino”. Vajrayana Tibetano e Shingon japonês compartilham as mesmas raízes na Índia, mas desenvolveram linhas diferentes.

O Budismo Esotérico começou a se desenvolver logo cedo no segundo século C.E. Diz a lenda que Nagarjuna (150-250) desbloqueou uma torre de ferro e recebeu a transmissão dos textos tântricos tais como o Sutra de Mahavairochana e o Sutra do Pico do Diamante. Monges eruditos da Índia introduziram estes e outros ensinamentos esotéricos na China no 8º século. Estes ensinamentos foram transmitidos para o monge japonês Kukai (774-835; aka Kobo Daishi) que fundou a Escola Shingon no Japão. Os ensinamentos também foram trazidos para o Japão por Saicho (767-822; aka Dengyo Daishi), o fundador da Escola Tendai. Saicho, contudo, considerou os ensinamentos esotéricos menos importantes que o Sutra do Lótus. No entanto, Kukai e até mesmo patriarcas Tendai mais recentes acreditavam que, enquanto o Sutra do Lótus e os sutras esotéricos eram iguais em princípio, os últimos eram superiores quanto à eficácia das práticas esotéricas reveladas por eles.

Essencialmente, Budismo Shingon propõe que Buda Mahavairochana, uma personificação do Dharma-kaya ou corporalidade do Buda, comunica o despertar a todos os seres para que possam rapidamente alcançar o Estado de Buda. Isto é realizado identificando-se com os Três Mistérios da atividade mental, verbal e física de Buda Mahavairochana usando mudras, mantras e mandalas. Mudras são “selos” ou sinais de mão que correspondem as ações de Buda Mahavairochana. Mantras correspondem as palavras de Buda Mahavairochana. Mandalas são imagens diagramáticas que correspondem a mente ou ao despertar interno do Buda Mahavairochana.

Nichiren se opôs à subordinação do Sutra do Lótus ao Shingon. Ele acreditava que o Sutra do Lótus e os ensinamentos esotéricos não eram iguais em princípio, porque somente o primeiro ensinava o Único Veículo que garante o Estado de Buda para todos os seres. Também, o Buda Shakyamuni Eterno do Capítulo 16, não é meramente a corporalidade universal como Mahavairochana, mas também incorpora os corpos de satisfação e transformação do Estado de Buda. Em outras palavras, o Buda do Capítulo 16 do Sutra do Lótus, incorpora os aspectos histórico, ideal e universal do Estado de Buda e assim é uma representação mais completa do Estado de Buda do que Mahavairochana. Nichiren ensinou que o Sutra do Lótus era de longe mais profundo que o Budismo Esotérico ou Shingon e que todas as pessoas podiam praticá-lo diretamente sem passar por iniciações esotéricas ou assumir rituais caros e complexos. Tudo o que é necessário para alcançar o Estado de Buda no próprio corpo é juntar as mãos em prece, olhar fixo para o Omandala Gohonzon e invocar o Odaimoku: Namu Myoho Renge Kyo.

 

A Escola do Preceito é Traiçoeira?

A última das admoestações de Nichiren Shonin na qual esta série irá focar é: “Budismo da Disciplina (Ritsu) é um falso ensinamento de traidores”. O que Nichiren Shonin quis dizer com isto? Como uma escola de budismo que foca na disciplina monástica e moralidade pode tornar as pessoas traidoras em seu país? Mais importante, como devem os Budistas Nichiren modernos considerar os preceitos budistas tradicionais, a ética e os ensinamentos morais?

Credita-se ao monge Upali a recitação do vinaya no primeiro Concilio Budista após o falecimento de Buda. O termo vinaya significa “disciplina” e geralmente se refere as regras, políticas e procedimentos da Sangha monástica. O monge Tao-hsuan (596-667) é considerado como o fundador da Escola do Preceito na China. Além de tornar público os preceitos monásticos, a Escola do Preceito conferiu preceitos Mahayana para monásticos e seguidores leigos.

Um outro termo associado com preceitos é shila, que significa “moralidade”. Os cinco “preceitos” principais atribuídos aos seguidores leigos budistas contra matar, roubar, má conduta sexual, mentir e usar intoxicantes são na verdade cinco formas de shila ou diretrizes morais. Shila é uma questão para a consciência do indivíduo e as sanções da sociedade civil. Mais abrangente são as dez vias da conduta correta: abster-se de matar, de roubar, de ter má conduta sexual, de mentir, da fala maliciosa, da fala ríspida, de tagarelar (ou fofocar), da cobiça, da má vontade e das visões errôneas. O Budismo do Leste Asiático ensina que seguir os cinco preceitos de shila causa o renascimento no reino humano, enquanto seguir as dez vias da conduta correta causa o renascimento nos céus inferiores. (Os céus superiores requerem cultivo da absorção meditativa).

A Escola do Preceito ensinou que todas as várias formulações de práticas e preceitos, ambos Hinayana e Mahayana, são abraçadas pelos tríplices preceitos puros do Bodhisattva. Estes três são: o preceito de colocar um fim em tudo de mal, o preceito de cultivar tudo de bom, e o preceito de libertar todos os seres sencientes do sofrimento.

Moralidade é um elemento indispensável do Caminho Budista, mas disciplina moral não é um fim em si mesmo. A moralidade pode facilmente atrofiar ou degenerar em auto retidão puritana.  Apenas é verdadeiramente cumprida quando serve de base para o cultivo espiritual que conduz ao despertar espiritual. Para o Bodhisattva, moralidade funciona como uma das perfeições quando guiada pela sabedoria em benefício de todos os seres.

Na época de Nichiren Shonin, Eizon (1201-1290) reviveu a Escola do Preceito em conjunto com o Budismo Esotérico, então, estabelecendo a Escola do Preceito da Verdadeira Palavra (Shingon Ritsu Shu). Ninsho (aka Ryokan, 1217-303), o discípulo mais bem-sucedido dele, foi para Kamakura em 1261 e recebeu o apadrinhamento dos regentes Hojo. Nichiren Shonin se referiu a Eizon e Ninsho como “traidores nacionais” porque eles estavam propagando os preceitos Hinayana. Nichiren Shonin explicou que na Última Era, não era mais apropriado propagar estes preceitos, porque sobrecarregariam as pessoas incapazes de sustentá-los e cujas delusões eram muito profundas para serem curadas por eles. Nichiren descreveu os mestres de preceitos como hipócritas desonestos que estavam levando a nação do Japão à destruição.

Nichiren Shonin acreditava que o verdadeiro espírito de todos os vários conjuntos de preceitos está expresso no Sutra do Lótus e que se deveria reverenciar o verdadeiro espírito do Sutra do Lótus, entoando Odaimoku, e assim, cumprir os preceitos alcançando o Estado de Buda.  Ao entoar o Odaimoku, os praticantes estariam sustentando o Preceito do Cálice de Diamante que é a fonte real de todos os preceitos. Na visão de Nichiren Shonin, moralidade e ética não devem se tornar uma adesão rígida e impensada a um código de conduta. Pelo contrário, estas devem ser baseadas numa realização interna da sabedoria e compaixão do Estado de Buda.

Aqui termina esta série sobre as admoestações de Nichiren. Estes artigos apenas arranharam a superfície do contexto e significado das admoestações. Espero que possamos entender estas admoestações não meramente como polemicas sectárias, mas como guias para nos ajudar a evitar tanto as armadilhas em nossa prática quanto as visões unilaterais do Budismo. As admoestações de Nichiren devem nos inspirar a procurar o coração verdadeiro do Buda Dharma que Nichiren Shonin viu que estava expresso integralmente no ensinamento e prática do Sutra do Lótus.

 

(*)  Coletânea de artigos publicados no Nichiren Shu News nas edições de  junho e outubro de 2012, fevereiro, junho e agosto de 2013 traduzidos pela equipe de tradução da Nichiren Shu Brasil em maio de 2019.

 

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