Por Reverendo Shinkyo Warner (Comunidade Budista Nichiren de Lexington, Kentucky, EUA) 

Em abril de 2007, o líder local dos escoteiros me pediu para incluir nosso templo numa “caminhada multi-fé” que ele estava planejando. Respondi que eles seriam todos bem-vindos, é claro. Combinamos uma data e hora, e ele me passou uma lista de perguntas que achava ser útil, me deixando mais animado para conversar com eles. Fui escoteiro, portanto, eu estava familiarizado com suas atividades e valores que trabalhavam para promover. Também pensei que seria uma grande prática conversar com pessoas interessadas no Budismo, mas que não conheciam muito a respeito. 

Estas eram as perguntas:

  1. Quem iniciou sua religião? 
  2. Quais são os principais documentos ou escrituras da sua fé? 
  3. Quais são suas crenças principais? 
  4. O que é preciso para se tornar membro da sua religião?
  5. O que você acredita que acontece quando e após morrermos? 
  6. Descreva a divindade que vocês louvam. 

No dia marcado, fiquei na porta de entrada do nosso prédio aguardando para dar-lhes as boas-vindas. Por alguns minutos, um fluxo constante de uniformes de cor cáqui apareceu. No momento que os últimos retardatários chegaram, havia aproximadamente uns 30 meninos e homens, amontados em cada espaço do nosso pequeno templo. 

Quem iniciou sua religião? 

Comecei perguntando se alguém já teria ouvido falar do Buda. Várias mãos foram levantadas. Um menino disse que ele era um príncipe que viveu há muito tempo atrás. Disse-lhe que estava certo. O Buda nasceu como um príncipe coroado. Ele viveu no norte da Índia 500 anos antes de Jesus nascer. Ele cresceu muito mimado. Mesmo seu nome, Siddartha, significa “cada desejo atendido”. Em outras palavras, ele era mais mimado que a Paris Hilton. Eles sabiam exatamente o que eu queria dizer. 

“Apesar do jovem Siddartha ter muita atenção e todo conforto material que ele quisesse”, continuei, “ele sabia que havia mais da vida do que somente viver no conforto. Ele quis saber porque as pessoas eram tão infelizes e se era possível que ninguém mais ficasse infeliz”. 

“Quando estava com 25 anos de idade, Siddartha deixou o palácio e se tornou um errante sagrado. A princípio, ele sobreviveu com muito pouco alimento e água. Isso o deixou tão fraco que ele quase se afogou ao tomar banho num rio. Como ele estava exausto e deitado na margem do rio, uma bondosa jovem pastora lhe trouxe uma tigela de leite misturado com grãos. Ele se alimentou e após recuperar suas forças, entendeu que comportamentos extremos de negação ou satisfação não estavam funcionando: ele tinha que encontrar um meio termo ou um caminho do meio”. 

“Após ter-se recuperado”, prossegui, “ele passou uma noite meditando embaixo de uma árvore. Quando a estrela da manhã surgiu no horizonte, ele realizou o que estava procurando. Pessoas ao redor de Siddartha imediatamente notaram que algo maravilhoso e profundo tinha acontecido. Eles lhe perguntaram, “Você ainda é um homem? Você se tornou uma divindade? O que foi que aconteceu a você? Sua resposta foi, “Eu despertei”. 

Havia uma outra pessoa que eu precisava falar-lhes a respeito. Esta pessoa era Nichiren Shonin, o fundador da nossa escola budista. Eu expliquei como ele viveu há 750 anos atrás no Japão. Ele era filho de um pescador comum. Desde criança, as pessoas reconheciam seu intelecto e curiosidade e que ele foi aceito num monastério próximo a sua vila.

Quais são os principais documentos ou escrituras da sua fé? 

Desde seu despertar até seu falecimento, Buda ensinou por 40 anos. Durante esse tempo, ele ensinou diferentes coisas para diferentes pessoas. Aqueles que o ouviram levantaram mais de 14.000 sutras ou coleções de discursos daquilo que o Buda ensinou. Às vezes, Buda ensinava algo para um determinado grupo de pessoas na hora certa e uma outra coisa para um outro grupo de pessoas em outro momento. Para muitos que liam esses diferentes ensinamentos ao mesmo tempo, ficava confuso. Eles queriam saber qual desses ensinamentos eles deveriam acreditar. 

Quando Nichiren tinha 17 anos de idade, ele jurou vir a ser o homem mais sábio do Japão e resolver esse mistério. Pelos próximos 17 anos, Nichiren circulou por todo o Japão, estudando o máximo de sutras que ele conseguiu encontrar e conversou com grandes budistas eruditos daquela época.  

No Sutra do Lótus, Nichiren encontrou sua resposta. O Buda ensinou coisas diferentes em períodos diferentes, porque pessoas diferentes tinham habilidades diferentes para entender e praticar o que ele ensinava. Exatamente como quando você ensina alguém a como fazer fogo, você começa usando fósforos ou um acendedor. Mais tarde, você poderá ensinar como usar o sílex ou aço. Em todos os casos, a meta final é fazer o fogo. Mas, você deverá adequar o método a quem está aprendendo. 

O Sutra do Lótus é nossa principal escritura. Nós a abordamos de forma diferente de como outras pessoas fazem para abordar as escrituras de suas fés. Nós acreditamos que o sutra contém ensinamentos que o Buda deixou para nosso benefício. 

O Sutra do Lótus, no entanto, não contém uma lista de mandamentos e instruções dizendo o que podemos fazer e o que não podemos. Usamos os escritos de Nichiren como um guia para interpretarmos este livro, mas, em última análise, isso tem que fazer sentido para que cada um de nós o coloque em prática. 

Isto é exatamente como o manual dos escoteiros. Você não pode simplesmente olhar a seção sobre os nós, memorizar tudo sobre o nó direito como está escrito lá e alegar que você conhece o nó direito. Você terá que pegar pedaços de corda com suas mãos, usar as instruções para fazer um nó, testá-lo, verificar se você fez certo. Caso negativo, tentar novamente. Então, você terá que pegar o que aprendeu e aplicar na sua vida, talvez montando uma tenda ou construindo uma torre. Aprender os ensinamentos de Buda é exatamente igual. 

Quais são suas crenças principais?

O Buda jamais pediu a alguém que deixasse de usar suas mentes e acreditasse em tudo que ele lhes dissesse, mesmo se fizesse sentido ou não. Fé e entendimento não se opõem um ao outro. Fazer perguntas e usar a mente são essenciais nesta prática. 

Tomemos a felicidade como exemplo. A maioria das pessoas passa a vida querendo se sentir bem o máximo possível, e se sentir mal o mínimo possível. Quando nos sentimos bem, dizemos que estamos felizes e quando nos sentimos mal, dizemos que estamos infelizes ou que estamos sofrendo. 

O Buda descobriu a causa do sofrimento. Não é porque há algo errado conosco, nem mesmo porque não temos algo que queremos. É porque queremos aquilo que não temos. 

Conhecendo a verdadeira causa do sofrimento, o Buda soube como extinguir o sofrimento, como se tornar feliz. Ele chamou de “O Caminho Óctuplo”. Primeiro precisamos ter uma visão correta das coisas, em seguida podemos refletir sobre elas de maneira correta, então, poderemos falar a verdade, saberemos como agir corretamente, poderemos viver sem causar danos, aplicaremos nossos esforços adequadamente, compreenderemos como nossa mente funciona e finalmente saberemos como concentrar nossa mente naquilo que for importante. 

Esses passos podem parecer que foram elaborados somente para nos tornar felizes. O Buda explicou que o que ele ensinou sobre o sofrimento, seria apenas o primeiro passo para o que ele realmente queria explicar, ou seja, que qualquer pessoa poderia se tornar tão desperto quanto ele.

Tornar-se exatamente como o Buda pode soar impossível. Como fazemos isso? Beneficiando outras pessoas. Nós devemos querer que elas sejam felizes. Por que? Não só porque Buda disse isso, mas, porque elas mesmas querem ser felizes. 

Em vez de tentarmos ser felizes obtendo aquilo que queremos, devemos ajudar as pessoas a conseguirem o que querem, servindo a outras pessoas. Isto é muito parecido com a lei do escoteiro: um escoteiro é digno de confiança, leal, prestativo, cortês, bondoso, obediente, animado, parcimonioso, corajoso, limpo e respeitoso. Tudo isso guia os escoteiros para beneficiar uns aos outros e ao mundo.  

O que é preciso para se tornar membro da sua religião? 

Qualquer pessoa pode ler ou ouvir os ensinamentos do Buda, refletir sobre eles, usá-los em suas vidas, para verificar se funcionam. Então você retorna, obtém mais ensinamentos, os experimenta, e assim por diante. Se você puder fazer isso com um grupo, será muito mais fácil. Exatamente como é mais fácil ser um escoteiro quando você tem uma tropa para trabalhar junto, ao invés de você ficar tentando sozinho. 

O Buda sabia disso também. Ele ensinou como é importante ter o que ele chamava de Sangha, ou grupo de pessoas, trabalhando juntos para estudar e praticar seus ensinamentos. Ele sabia que diferentes pessoas têm diferentes habilidades, talentos, experiências e diferentes perspectivas das coisas. Até que alguém possa se tornar tão iluminado quanto ele, ninguém tem todas as respostas. 

O que acontece quando e após morrermos?

Não acreditamos na existência de um céu ou inferno permanente. Como todos os seres se tornarão Budas, mesmo os seres que estão sofrendo no inferno ou que estão completamente cheios de alegria no céu, deixarão esses lugares e continuarão progredindo até tornarem-se finalmente Budas. 

Nichiren ensinou que céu e inferno são somente estados de nossas mentes. Quando estamos com raiva, nós estamos no inferno, quando estamos alegres, nós estamos no céu. Ambos Buda e Nichiren falaram como podemos nos mover de um estado da mente mais difícil, como a raiva, para estados da mente como a alegria, que é mais condizente com a nossa verdadeira natureza. 

Descreva a Divindade que vocês louvam

Não acreditamos que haja um ser supremo e poderoso que controla o que acontece no mundo todos os dias e que decide após morrermos se vamos para o céu ou inferno. Acreditamos que tudo o que acontece tem uma causa e que os ensinamentos de Buda nos ajudam a encontrar essa causa. Ao invés de cultuarmos Buda, ou mesmo as estátuas que temos dele, nós manifestamos profunda reverência e gratidão pelo Buda e seus ensinamentos.  

O que temos de mais próximo com o que outras religiões denominam de Deus é um ensinamento incluso no Sutra do Lótus. O Buda disse que este ensinamento é o mais difícil de acreditar e entender.

O Buda ensinou que, mesmo que as pessoas o vejam como um homem que cresceu como um príncipe, que deixou seu palácio, atingiu a iluminação e ensinou por várias décadas; o real “Buda Eterno” existiu antes que qualquer homem nascesse e continuará a existir por incontável número de anos depois daquele homem morrer. 

Durante todo esse tempo o Buda Eterno estará ensinando todos os seres em todos os mundos, mesmo aqueles que estão no céu e inferno, ensinando-lhes como se tornarem tão iluminados quanto ele. O Buda Eterno ensina independente de ouvirmos ou não, ou se praticamos ou não seus ensinamentos. Ele está sempre pensando, “Como posso fazer para que todos os seres encontrem o Caminho da Iluminação e se tornem Budas rapidamente?”. 

Ao nos despedir, houve alguns minutos restantes para perguntas. Alguns perguntaram quantos membros tínhamos no templo e quantos membros haviam no geral na Nichiren Shu. Alguns perguntaram se eu sempre fui budista e como me tornei um. 

O líder deles então me agradeceu sinceramente por conversar com eles. Eu os agradeci por incluírem o nosso templo em sua caminhada. Alguns deles levaram panfletos. Ouvi muitas conversas no corredor enquanto eles saiam, que me deu a impressão de que eles ouviram algo interessante. Também notei que diversos meninos fotografaram nosso prédio na saída. Eu ficaria feliz de poder revê-los em breve. 

(*) Artigo publicado no Nichiren Shu News em agosto 2007 traduzido pela equipe de tradução da Nichiren Shu Hokekyoji Brasil  em julho de 2020.   

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