4. O Ministro budista como um Bodhisattva chefe-de-família

*Texto do Ryuei Michael McCormick Shonin, soryo da Nichiren Shu nos Estados Unidos, tradução do Shami Guilherme Chiamulera. J=Japonês; Skt=Sânscrito

Em primeiro lugar, deve-se francamente admitir que o clero japonês não seja composto por bhikshus ou bhikshunis no sentido de mendigos itinerantes, e a Sangha japonesa nunca foi realmente composta por mendigos itinerantes. A grande maioria dos clérigos japoneses também não tem sido monges celibatários desde o final do século 19. Então, o que são eles? E o que são aqueles de nós, de fora do Japão, ordenados em linhagens budistas japonesas? Estranhamente, eu acho que foi o ultranacionalista Tanaka Chigaku (1861-1939), que pode ter fornecido a melhor resposta para isso.

Tanaka Chigaku foi um reformador polêmico e ultranacionalista. Ele era um clérigo da Nichiren Shu dos 15 anos de idade até 19 anos, mas depois saiu porque estava desiludido com a ênfase no Shoju (métodos conciliatórios de ensino e propagação) contra o Shakubuku (métodos de confronto), como era ensinado na Grande Academia Nichiren (a precursora da Universidade Rissho) durante o tempo em que Tanaka estava estudando lá. Tanaka ressaltou o Shakubuku como método compassivo para libertar as pessoas de debilitantes falsos pontos de vista e que as pessoas deveriam pensar ativamente sobre e escolher qual escola do Budismo seguir em vez de aceitar passivamente a adesão em qualquer templo familiar que passou a pertencer através do sistema danka. Ele também acreditava que o Budismo não deveria ser apenas para funerais e memoriais, mas que deveria ser incorporado no cotidiano da família. Para isso ele criou uma cerimônia para conferir o Sutra do Lótus aos recém-nascidos em 1886 e, em 1887, ele criou a primeira cerimônia de casamento budista no Japão. Neste momento, as controvérsias sobre a questão do clero budista se casar, comer carne e vestir roupas seculares ainda estava no auge. A visão de Tanaka era de que o tempo dos monges e freiras havia acabado, e que os clérigos budistas no Japão deveriam ver-se como bodhisattvas leigos (J. Zaike bosatsu).

Ele viu o celibato e as outras regras anteriormente defendidas pelo clero como remanescentes do Hinayana* e do Budismo Mahayana Provisório que, ele acreditava, negavam o mundo atual e eram misóginos. Ele não viu o clero casado como uma degeneração do Budismo em um negócio familiar, mas sim uma oportunidade para manter os templos vivos como centros de prática leiga. Ele ainda defendeu que uma escola deveria ser criada para as esposas dos clérigos para que elas pudessem ter a mesma responsabilidade com o cuidado dos templos e os ensinamentos do Budismo. Tanaka estava convencido de que o Budismo leigo era o caminho do futuro. A fim de criar um Budismo leigo modernizado, Tanaka fundou uma série de organizações leigas, a mais duradoura delas foi o Kokuchukai (Sociedade Pilar da Nação). Ele se referiu ao seu movimento como Nichirenshugi (Nichirenismo).

Ele não estava apenas tentando reformar a Nichiren Shu, ele estava tentando formular uma nova maneira de Budismo Nichiren que superaria todas as escolas antecedentes desta linhagem. De muitas maneiras, Tanaka Chigaku e seu movimento budista leigo Nichirenista foram uma inspiração para grupos posteriores como a Reiyukai e Rissho Kosei Kai. Mesmo dentro da Nichiren Shu, suas reformas e sua defesa do Shakubuku ainda têm fortes adeptos entre os membros mais antigos do clero.

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Eu acho que é muito mais honesto dizer que os Ministros japoneses são bodhisattvas-leigos ou chefes-de-família, do que tentar reivindicar o título de bhikshu, que propriamente só pertence a um mendigo itinerante ou, no mínimo, a um monge celibatário. No entanto, o que acontece com todo o conceito de Sangha se não há mais nenhum monge genuíno que sustenta o vinaya clássico? Por outro lado, o Buda definiu a joia da Sangha de uma forma que pudesse de fato incluir praticantes chefe-de-família. O Buda usou esse termo para se referir àqueles indivíduos nobres que tinha realmente alcançado algum grau de discernimento e libertação, seguindo os ensinamentos do Buda.

“Esses oito tipos de pessoas, ó monges, são dignos de presentes, dignos de hospitalidade, merecedores de ofertas, dignos de saudação reverente, campo inigualável de mérito para o mundo. Quais esses oito? Aquele que entrou na correnteza e aquele que pratica para a realização do fruto de entrar na correnteza; aquele que retorna uma vez e aquele que pratica para a realização do fruto de retornar uma vez; aquele que não retorna e aquele que pratica para a realização do fruto do não-retorno; o arhat e aquele que pratica para a realização do fruto do arhat. Esses oito tipos de pessoas são dignas de presentes, dignas de hospitalidade, merecedoras de ofertas, dignas de saudações reverentes, campo inigualável de mérito para o mundo.

Os quatro praticantes do caminho
E os quatro que esperam pelo fruto:
Esta é a Sangha justa
Dotada de sabedoria e virtude.
Para as pessoas que fazem oferendas,
Para criaturas que buscam ganhar mérito,
Para aqueles que fazem mérito do tipo mundano,
O que é dado ao Sangha tem o maior fruto.
(Nyanaponika, p. 223)”

Embora esta passagem pareça indicar que são apenas os monges que recebem oferendas que podem atingir esses estados, os Sutras estão cheios de histórias sobre chefes de família que também alcançam esses frutos ou que estão em seu caminho para adquiri-los. A única exceção é o fruto do caminho do arhat, pois não há exemplos no Cânone Pali de um leigo se tornar um arhat sem que tenha morrido ou se tornado monge um dia. Assim, parece que esta definição das oito pessoas que constituem a Arya Sangha ou Nobre Sangha poderia abranger os leigos também.

Eu também me deparei com esta surpreendente (pelo menos para mim) história dentro do Cânone Pali. É a história XVII no Vimanavatthu: Histórias das Mansões. Nesta história, os monges em suas rondas para pedir esmolas, inspiram a filha de um brâmane a perguntar sobre o Dharma a um leigo budista que passa. O leigo acaba por ter alguns insights sobre o ensinamento do Buda (ele, pelo menos, entrou na correnteza) e ele não só confere à filha o Refúgio Tríplice e os cinco preceitos, mas ele mesmo ensina a praticar a atenção plena do corpo e seguindo suas instruções a menina também entra na correnteza.

“O Abençoado estava habitando em Baranasi, no parque dos cervos em Isipatana”. Na parte da manhã os monges vestidos, pegaram a tigela e o manto e entraram em Baranasi. Eles se aproximaram da porta da casa de certo brâmane. Naquela casa a filha do brâmane, chamada Kesakari, que estava tirando piolhos da cabeça de sua mãe perto da porta da casa, viu os monges andando juntos e disse para sua mãe: “Mãe, estes homens que renunciaram a vida mundana parecem estar em sua primeira juventude, delicados, muito bonitos, vale a pena olhar, não vencidos por qualquer calamidade que seja, agora, por que é que eles renunciaram ao mundo nessa idade”?

Sua mãe lhe disse: ‘Filha, existe um filho dos Sakyas; ele já saiu do clã Sakya e já apareceu no mundo como um professor chamado de Buda. Ele expõe o Dhamma, encantador no início, meio e fim, na forma e conteúdo; ele proclama um ensinamento que é absolutamente completo e perfeitamente puro. Porque estes homens ouviram o Dhamma que eles têm renunciado ao mundo’.

Agora, nesse momento, certo seguidor leigo que havia alcançado o fruto e tinha entendido o Ensino, ouviu a conversa e como ele estava indo ao longo dessa rua ele se aproximou das duas mulheres. Em seguida, a senhora brâmane disse-lhe: “Aqui agora, seguidor leigo, muitos homens de boa família renunciaram grande riqueza e um grande círculo de parentes e renunciam ao mundo. Agora, qual o motivo disso? “O seguidor leigo a ouviu e disse:”Por causa do perigo da sensação dos prazeres e da vantagem na renúncia”, e ele falou em detalhes sobre o motivo dando o melhor de seu próprio entendimento , explicou a qualidade das Três Joias e expôs a vantagem e benefícios dos cinco preceitos em relação a este mundo e para o mundo vindouro.

Em seguida, a filha do brâmane perguntou-lhe: “É possível para nós também participar da vantagem e benefício que você falou, por meio de dependência dos refúgios e dos preceitos?” “Por que não?”, disse. “Para ser compartilhado por todos, são estas coisas que o Abençoado falou”, e ele deu-lhe os refúgios e os preceitos. Quando ela tinha aceitado os refúgios e comprometeu-se a observar os preceitos, ela então disse, “O que há mais a ser feito, além disso?” Observando sua inteligência, ele pensou consigo mesmo: “Ela deve ser uma daquelas pessoas que tem as qualificações” e, explicando a natureza do corpo, ele falou sobre o objeto de meditação que são seus trinta e dois constituintes; despertou descontentamento pelo seu corpo, e, além disso, tendo tocado ela com um discurso sobre o Dhamma, conectado com a impermanência e assim por diante, ele apontou o caminho para a introspecção e a deixou. Ela levou a sério tudo o que ele tinha dito, e com seus pensamentos compostos pela realização da impureza do corpo, ela desenvolveu uma visão e em pouco tempo ganhou o fruto de entrar na correnteza por causa de sua realização dessas qualificações. (Horner 1998, pp 38-39)

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Então aqui nós ainda nem começamos a olhar para os ensinamentos Mahayana e temos o Buda dizendo que a Nobre Sangha é composta de pessoas com algum grau de realização, uma qualificação que pode incluir aqueles que não são monges ou mendicantes; e, além disso, temos um exemplo de um leigo com um grau de discernimento conferindo os refúgios e preceitos e até mesmo instrução sobre mediação da meditação para uma leiga e a leiga ganhando assim a sua própria visão sobre a verdade dos ensinamentos. Eu gostaria de observar que na declaração do Buda, ele está falando sobre aqueles que recebem esmolas, que seriam os mendicantes, e que na história é a visão dos mendicantes em suas rondas que inicialmente inspiraram a menina.

Ainda esta história sugere-me que, mesmo no Cânone Pali do Budismo Theravada podemos encontrar precedentes para o bodhisattva leigo que Tanaka Chigaku fala, os seguidores leigos, que são uma parte da Sangha em virtude de sua visão e estilo de vida não superficial, e que são capazes de propagar o Dharma e levar outros seguidores leigos também, ensinando o Dharma e a maneira de colocá-lo em prática em termos de fé (conferir o Refúgio Tríplice), ética ou vida consciente (os cinco preceitos) e contemplação que conduz ao discernimento (consciência do corpo na história acima). Parece que um papel legítimo para um bodhisattva leigo é ser um pregador do Dharma e um exemplar professor do Dharma para outros leigos. Esta não é uma rejeição ao monaquismo budista (ou mendicância), mas mostra que há um papel legítimo para professores leigos dentro da Sangha que praticam e compartilham o Dharma com os outros.

No Vimalakirti Sutra o ideal do bodhisattva leigo floresce completamente. O Sutra apresenta um leigo rico chamado Vimalakirti que pratica as seis perfeições (Paramitas) do Bodhisattva e é um exemplo de professor do Dharma entre os cidadãos comuns e chefes de família da cidade de Vaishali.

“Ele usava as roupas brancas do leigo, ainda vivia impecavelmente como um devoto religioso. Ele morava em casa, mas manteve-se distante do reino do desejo, o reino da matéria pura, e o reino imaterial. Ele tinha um filho, uma esposa, e assistentes do sexo feminino, ainda que sempre se mantivesse casto. Ele parecia estar cercado por servos, ainda que vivesse na solidão. Ele parecia ser adornado com ornamentos, mas sempre foi dotado com sinais e marcas auspiciosas. Ele parecia comer e beber, mas sempre se alimentou pelo prazer da meditação. Ele fez a sua aparição nos campos de esportes e nos casinos, mas seu objetivo era sempre a amadurecer aquelas pessoas que estavam ligadas a jogos e jogos de azar. Ele visitou os professores heterodoxos do momento, mas sempre manteve inabalável sua lealdade ao Buda. Ele entendeu as ciências mundanas e transcendentai, além de práticas esotéricas, mas sempre se deleitou com o Dharma. Ele se misturou em todas as multidões, mas era respeitado como o maior de todos.” (Thurman, pp 20-21)

Em sua nota de rodapé no final desta passagem, o tradutor, Robert Thurman, diz: “Vimalakirti é mostrado aqui como a incorporação da prática da reconciliação de dicotomias.” (Ibid, p. 114) Ele certamente parece estar incorporando a reconciliação da dicotomia entre o monge e o chefe-de-família. O Sutra progride mostrando Vimalakirti como quase em pé de igualdade com o Buda, enquanto que os arhats que são discípulos monásticos do Buda são praticamente uma caricatura dos limitados monges Hinayana* unilaterais e chauvinistas. Aqui vemos o modelo original Mahayana para o conceito de Shinran de uma pessoa que é “nem monge nem leigo”.

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O Sutra do Lótus tem uma abordagem diferente. Em seus primeiros capítulos não ataca os arhats da forma como fez o Sutra Vimalakirti, ao contrário, apresenta o Buda profetizando que eles também irão atingir o estado de Buda no futuro porque todos os seus ensinamentos são, na verdade, um veículo que leva ao estado de Buda. O ideal arhat de renúncia ao mundo está assim incluído no ideal de libertação universal do Bodhisattva. No capítulo X do Sutra do Lótus, o defensor ideal e professor do ensinamento do Sutra de Lótus é apresentado. Ele ou ela é o “Mestre do Dharma” (skt. dharma-bhanaka). Keisho Tsukamoto traça a história do termo dharma-bhanaka em seu livro “Elementos Fonte do Sutra do Lótus”. Eles foram originalmente classificados como um tipo de músico e eram aqueles que memorizaram e expunham os Sutras Mahayana. Eles também supostamente eram monges. (Tsukamoto, pp 179-180) O Capítulo X do Sutra do Lótus, no entanto, parece incluir monges, freiras, leigos e leiga como capazes de serem Dharma-bhanakas do Sutra do Lótus.

“Os bons homens e mulheres que mantêm, leem, recitam, expões e copiam até mesmo uma frase do Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa, e oferecem flores, incenso, colares, incenso em pó, incenso aplicável à pele, incenso para queimar , copa, bandeiras, flâmulas, vestuário e música para uma cópia deste Sutra, ou simplesmente juntam as mãos em direção a ele com respeito, devem ser respeitados por todas as pessoas do mundo. Todas as pessoas do mundo devem fazer oferendas a eles como eles fazem para mim. Saiba isto! Estes bons homens ou mulheres são grandes Bodhisattvas. Eles devem ser considerados por terem aparecido neste mundo por seu voto para expor o Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa por sua compaixão para com todos os seres vivos, embora eles já houvessem atingido Anuttara-samyak-sambodhi [em sua existência anterior].

Desnecessário dizer que aqueles que guardam todas as passagens deste Sutra e fazem várias ofertas para este Sutra [são grandes Bodhisattvas]. Rei da Medicina saiba disso! Eles devem ser considerados como tendo desistido das recompensas de seus karmas puros e aparecerão no mundo do mal após a minha extinção, a fim de expor este Sutra graças à sua compaixão para com todos os seres vivos. Os bons homens ou mulheres que expõem até mesmo uma frase do Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa para uma única pessoa, mesmo em segredo após a minha extinção, saiba disso, são os meus mensageiros. Eles são enviados por mim. Eles fazem o meu trabalho. É desnecessário dizer isso daqueles que expõe este Sutra para muitas pessoas em uma grande multidão.” (Murano 1974, p. 172)

“Rei da Medicina! Embora muitos leigos ou monges fossem praticar o Caminho do Bodhisattva, eles não seriam capazes de praticá-lo de forma satisfatória, saiba disso, a não ser que vejam, ouçam, leiam, recitem, copiem ou mantenham este Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa, ou façam oferendas a ele. Se ouvirem este Sutra, eles vão. Qualquer pessoa que, enquanto ele está buscando a iluminação de Buda, vê ou ouve este Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa, e depois de ouvi-lo, entende-lo pela fé e mantém-lo, saiba disso, irão atingir Anuttara-samyak-sambodhi.” (Ibid, p. 176)

Essas passagens dão como certo que haverá monges e monjas, mas os critérios que estabelece para quem pode ser considerado um bhanaka-dharma, um professor do Dharma, atravessa a distinção entre monges e chefe-de-família. O professor do Dharma é qualquer pessoa, homem ou mulher, monge ou chefe-de-família, que faz as cinco práticas de manter, ler, recitar, expor e copiar até mesmo uma única frase do Sutra do Lótus.

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Parece-me que sempre houve um reconhecimento, pelo menos nos discursos do Cânone em Pali e de forma mais explícita nos Sutras Mahayana, que homens e mulheres são capazes de atingir certo grau de discernimento e libertação, e podem até mesmo conferir os Três Refúgios, os cinco preceitos da prática leiga e até mesmo as técnicas de prática meditativa entre si. Esses leigos podem até exortar os monges à prática mais diligente além do usual o apoio e suporte material. Portanto, ao que parece havia certamente um precedente canônico para o conceito de um bodhisattva chefe-de-família de Tanaka Chigaku. Vimalakirti é certamente um desses casos, e o capítulo “Mestre do Dharma” do Sutra de Lótus parece estar convidando os leigos a assumir esse papel em relação ao Sutra de Lótus.

A forma como a Nichiren Shu fala do status e do papel de seus Ministros parece estar em sintonia com esse tipo de pensamento. O clero dentro da Nichiren Shu não é mantido separado dos leigos em termos de uma diferença no estilo de vida ou alguma diferença presumida em status social ou santidade religiosa. Aqui está o que o Shingyo Hikkei diz:

“Nossa fé não diferencia Ministros de seguidores leigos. As atividades básicas do Ministro são em um templo, igreja ou associação, em que ele é responsável pela disseminação particular e social de nossa fé, por estudar os ensinamentos do Sutra do Lótus e Nichiren, e pela realização de cerimônias budistas. Enquanto vivem uma vida secular, membros leigos são responsáveis por trabalhar duro na sua fé, em seu treinamento e praticar os ensinamentos. Desta forma, divulgar os aspectos verdadeiros e maravilhosos dos ensinamentos. Somente com união e cooperação entre os Ministros e membros leigos podemos fortalecer a fé no Budismo Nichiren.” (Hori 1978, p.1)

Os artigos 70 e 71 do capítulo 11 da Constituição da Nichiren Shu especifica quem é um membro do clero (J. Soryo) e qual é o dever do clero, composto por:

Artigo 70. A pessoa que recebe um certificado de ordenação (J. docho) será registrado.

70.2 A pessoa que está registrada é um membro do clero (J. Soryo) e dividida em três grupos: 1) Ministro (J. kyoshi) 2) Ministro Adjunto (J. kyoshi-ho) e 3) Noviço (J. shami).

70.3 O Ministro é uma pessoa que recebeu a posição ministerial (J. Sokai).

71. Dever do clero é servir aos Três Tesouros, fazer esforços nas duas formas de prática e estudo, sempre propagar para e ajudar os membros (J. dan-to) e crentes (J. shin-a), cooperar uns com os outro, e sempre fazer esforços para aumentar a reputação da Nichiren Shu e a prosperidade do templo. (Traduzido por Rev. Chishin Hirai e Rev. Ryuei McCormick)

O “Shingyo Dojo Reader” diz ainda o seguinte para os noviços (J. Shami) prestes a realizar a fase final da sua formação e tornarem-se Ministros totalmente ordenados (J. Kyoshi):

“Em seguida, um novato a tornar-se um pregador significa uma promoção de ser um estudante ou discípulo para a posição de um professor e um pregador. Ou seja, agora você está com a responsabilidade de ensinar e orientar os não-crentes, educando-os para se tornarem praticantes espalhando o Odaimoku, e mostrando para as pessoas no mundo como alcançar o estado de Buda e estabelecer a terra do Buda neste mundo.” (Hori Reader, p. 10)

A Nichiren Shu não vislumbra seu clero como monges, ou pelo menos não diz isso em sua constituição e estatutos. Pelo contrário, a Nichiren Shu prevê seu clero como professores do Dharma que assumirão um papel de liderança na prática, estudo e propagação do Budismo e, particularmente, o Sutra de Lótus e seu Odaimoku.

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Como Ministro da Nichiren Shu com um trabalho secular de tempo integral e uma família, eu não me sinto no direito de considerar-me um bhikshu ou monge. Aliás, eu nem sequer tenho a pretensão de me colocar no mesmo nível de Vimalakirti. No entanto, eu certamente tenho me esforçado para manter, ler, receber, copiar e expor o Sutra do Lótus, tanto seu Odaimoku e até mesmo trechos inteiros dele. Em certo sentido eu sinto que eu estou fazendo isso agora. Assim, pelos critérios do Sutra do Lótus que posso, talvez, justificar em me incluir entre os dharma-banaka, os professores do Dharma. Esse papel, ou até mesmo vocação, atravessa a dicotomia de monges ou leigos, e também parece transcender qualquer papel específico socialmente reconhecido.

Eu me encontro inclinado em concordar com Bhikkhu Bodhi que disse em uma edição recente do Buddhadharma:

“Quer alguém tenha uma perspectiva Theravada ou uma perspectiva Mahayana, o objetivo final do Budismo envolve o completo abandono de todas as contaminações que nos mantêm em cativeiro no samsara. Uma pessoa que segue a vida de monge pode não ter avançado muito na renúncia interior real, mas o estilo de vida exterior do monge é projetado para facilitar a renúncia interior. Através da profissão de seus votos, os monges adotam uma vida de celibato, uma vida sem possuir recursos materiais ou dinheiro. É uma vida que é, em princípio, dedicada ao trabalho interno para purificar a mente completamente.

Ainda que os leigos que vivam em casa praticando o Dhamma por conta própria, eles podem praticar com muito afinco, a forma monástica fornece apenas a condição ideal para a realização desse estado interior de renúncia completa. O estilo de vida monástica representa de forma manifesta e visível a consecução do objetivo final, a realização desse estado de renúncia interna completa. Sem a presença de uma Sangha monástica no Ocidente, o objetivo final dos ensinamentos do Buda não vai ser tão visível. Nesse caso, pode-se facilmente confundir os objetivos acreditando-se que são apenas viver conscientemente no aqui e agora, tendo a presença de espírito na vida presente, sem ver que na verdade existe um objetivo único transcendente para o qual o ensinamento do Buda está apontando.” (Amaro, p. 55)

Isso faz muito sentido para mim. Eu senti que me libertei durante o Shingyo Dojo e durante retiros mais longos que tenho feito desde então, embora eu confesse que o monaquismo não é um passo que eu estou preparado para tomar agora, ou nunca. Não é, por assim dizer, a minha vocação. No entanto, não há nada no Sutra do Lótus, ou nos escritos de Nichiren, ou nos ensinamentos atuais da Nichiren Shu que contradizem o que Bikkhu Bodhi afirmou. Na verdade, o próprio Nichiren, como mostrei, viveu como um monge toda a sua vida e até mesmo elogiou a vocação monástica. O Sutra do Lótus tem muitas passagens que louvam o monaquismo, e quase todos os bodhisattvas do Sutra de Lótus são monges ou seguem o monaquismo. Eu definitivamente acho que é preciso haver um componente monástico à Sangha para o Budismo vir a prosperar verdadeiramente no século XXI.

Ao mesmo tempo, eu acho que o bodhisattva chefe-de-família é também membro legítimo da Sangha, e um muito importante. É o bodhisattva chefe-de-família na forma de professores ordenados em linhagens legítimas que irão manter essas linhagens e seus ensinamentos vivos. São eles que vão fazer como fez Vimalakirti e manter o Dharma do Buda vivo, propagando entre as pessoas. Tomando-se o papel do professor do Dharma, o chefe-de-família bodhisattva pode semear as sementes do Dharma e mostrar aos outros oque significa receber e manter, ler, recitar, copiar, expor e, mais importante viver o Maravilhoso Dharma entre as causas e as condições de vida secular, trabalho e família.

Leigos (skt. upasakas) e leigas (skt. upasikas) são, afinal, também uma parte vital e indispensável da Sangha. Não pode, portanto, ser uma coisa tão terrível ter linhagens de clero constituídas por donos de casa, que são especificamente treinados para ministrar o Dharma de uma forma que é mais adequado às circunstâncias de leigos. Ao mesmo tempo, quando há apoio suficiente para centros de prática integral ou até mesmo mosteiros, não há nada (pelo menos do ponto de vista das regras da Nichiren Shu, estatutos e tradições de longa data) para impedir os clérigos de desejarem assumir a vida em tempo integral como praticantes monásticos, modelarem uma vida livre e cuidar de centros de prática e facilitar retiros, ou até para os chefes de família (sejam leigo ou ordenado) que desejam participar de forma limitada desta vida de total liberdade dos envolvimentos seculares que a vida monástica permite.

*O termo Hinayana aqui utilizado não possui qualquer conotação pejorativa a qual diz-se que o termo já foi largamento utilizado. Ele é aqui referenciado apenas como um léxico histórico.

Abaixo vocês podem conferir as referências bibliográficas dos 4 textos desta série.
Namu Myoho Renge Kyo
Gassho

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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