por Reverendo Kanji Tamura, Universidade Rissho 

Vários Significados de “Ji: Realidade”

A doutrina das “3.000 existências contidas num único pensamento”, que foi defendida por Nichiren Shonin, corresponde a “Ji: realidade” que abrange a prática e o movimento no mundo real. “Ji: realidade” tem vários significados e aprendemos três deles anteriormente. Primeiro, para percebermos o Buda Shakyamuni de verdade. Segundo, para entoarmos o Daimoku e terceiro, para venerarmos o Grande Mandala como o Mais Venerável. Em seguida, vamos aprender outros significados de “Ji” baseados nos escritos de Nichiren Shonin.

Prática da Semeação do Daimoku, Semente do Estado Búdico nos Corações dos Seres Sencientes

No seu Kanjin Honzon-sho (Tratado que Revela a Contemplação Espiritual e o Mais Venerável) Nichiren Shonin descreve as cinco letras do Daimoku “como a semente do Buda de Ichinen-Sanzen”. Ele sustenta que sem a semente do Buda, não somente a conquista do Estado Búdico pelas pessoas, mas também a consagração do objeto de veneração, tais como estátuas de madeira e retratos, não terá sentido. A semente do Buda de Ichinen-Sanzen significa tanto a semente que contém a doutrina de Ichinen-Sanzen, quanto a semente que traz a doutrina para a realidade. De acordo com Nichiren Shonin, Ichinen-Sanzen significa mais do que o estado de iluminação alcançado reservadamente através da contemplação espiritual. É o mundo da iluminação de Buda realizado através do trabalho missionário prático em tempo real e na sociedade. 

Nichiren Shonin considera que os seres sencientes que vivem na Era da Degeneração do Darma (a era da confusão onde as mentes das pessoas se corrompem e arruínam o mundo a partir de 2000 anos após a extinção do Buda Shakyamuni) ou não possuem a semente de Buda ou a descartou em suas existências anteriores. Embora todos os seres sencientes tenham a natureza de Buda, a mente do Buda não pode ser ativada na realidade sem a semente do Buda. Portanto, independentemente de preferências pessoais, Nichiren Shonin forçou as pessoas a ouvirem o Daimoku, semeando o em suas mentes, para que pudessem construir um relacionamento com o Daimoku. Este método missionário é chamado de “construindo o relacionamento através da disseminação” (Geshu Kechien).

Lendo o Sutra do Lótus através de “Shiki: Cor” e Rissho Ankoku-ron (Tratado sobre a Disseminação da Paz no País pelo Estabelecimento do Darma Verdadeiro)

A palavra “Shiki: Cor” no Budismo significa algo visível. O termo simboliza nosso mundo real audível e visível. Nossos corpos físicos, que são visíveis, são categorizados como “cor”. Assim, “cor” implica o oposto do estado invisível de iluminação e do mundo mental. 

O mundo da iluminação é chamado “Ri: teorema” enquanto o mundo real é “Ji: realidade”. Quando nosso mundo interior é classificado como “mente” e o mundo exterior como “cor”, aqueles estados de “Ri: teorema” e “Ji: realidade” ou a mente e a cor são ambos os lados da mesma moeda. Nós, pessoas comuns, sempre queremos coisas imediatas porque nos perdemos no mundo de “Ji: realidade” e “Shiki: cor”.    

Todavia, para entrarmos no mundo de “Ri: teorema” ou a mente do Buda, teremos que usar o mundo real de “Ji: realidade” e “Shiki: cor” como um trampolim. Esta é a importância de Ji e Shiki. O Grande Mestre T’ien-t’ai aponta a prática da concentração mental para adentrar o mundo de “Ri: teorema” a partir do mundo de “Ji: realidade”. No entanto, Nichrien Shonin opta por alcançar o mundo de “Ri: teorema” no mundo real  de “Ji: realidade” do que tentar adentrar o mundo teórico a partir do mundo real. No seu Rissho Ankoku-ron, Nichiren afirma diretamente que este tríplice mundo (o mundo real da confusão) se torna a terra dos Budas a medida que aceitamos o ensinamento do Sutra do Lótus. A ideia e o ato de Risso-Ankoku-ron, que visa realizar a Terra do Buda neste mundo real, são os fundamentos do Ichinen-Sanzen de “Ji: realidade”. 

Entretanto, ler o Sutra do Lótus através de “Shiki: cor”, também significa ler o significado do sutra no mundo real. O Sutra do Lótus indica que o praticante que verdadeiramente espalhar este sutra, pode futuramente, encontrar várias dificuldades, mas irá superá-las no final. Pode-se dizer que este contexto é a “predição” de Buda Shakyamuni. E aqueles que realmente vivenciam este contexto no mundo real são os verdadeiros praticantes do Sutra do Lótus. Do mesmo modo, ler o Sutra do Lótus através de “Shiki: cor” embasa a predição do Sutra do Lótus no mundo real. No seu Kaimoku-sho (Abrir Seus Olhos para o Ensinamento do Lótus)  Nichiren Shonin escreve que ele alcançou a autoconsciência do praticante do Sutra do Lótus e que superou inumeráveis obstáculos e dificuldades (numerosos problemas menores e outros quatro maiores) para espalhar o Sutra do Lótus. 

Além disso, ele escreve no seu Toki Nyudo-dono Go-henji (Resposta ao Sacerdote Laico Senhor Toki), “Grande Concentração e Insight afirma que os três obstáculos e os quatro demônios perturbarão os praticantes. Agora eles estão me perturbando”, Nichiren detalha que os demônios estão mais poderosos do que na época dos Grandes Mestres T’ien-t’ai e Dengyo. “Há duas maneiras de meditar sobre a doutrina de Ichinen-Sanzen. Uma é de maneira “teórica” e a outra é de maneira “real”. Os Grandes Mestres T’ien-t’ai e Dengyo praticavam a primeira, enquanto eu agora prático a segunda maneira. Como meu método de praticar meditação é superior, as dificuldades que me atingem são cada vez mais difíceis de suportar. O que T’ien-t’ai e Dengyo propagavam era baseado no Ichinen-Sanzen da seção teórica enquanto o que eu, Nichiren, propago, está baseado no Ichinen-Sanzen da seção essencial. A diferença entre as duas é tão grande quanto a diferença entre o céu e a terra”. Nichiren Shonin considerava o princípio ativo como mais importante do que a prática teórica e estipulou o Ichinen-Sanzen de “Ji: realidade” como a prática de realizar o mundo do Sutra do Lótus no mundo real. Nichiren se orgulhava de espalhar o Daimoku e de superar as perseguições na Era da Degeneração do Darma. Isso é que é ler o Sutra do Lótus através de “Shiki: cor”. 

Nichiren Shonin introduziu a doutrina do Ichinen-Sanzen de “Ji: realidade” que deverá ser praticada e realizada neste mundo real. “Ji: realidade” tem vários significados e já aprendemos alguns deles: (1) perceber realmente o Buda Shakyamuni, (2) entoar o Daimoku, (3) venerar o Grande Mandala como o Mais Venerável, (4) praticar a semeação do Daimoku, semente do Estado Búdico e (5) ler o Sutra do Lótus através de “Shiki: cor” e espalhar a paz pelo estabelecimento do Darma Verdadeiro (Rissho Ankoku). A seguir, vamos aprender mais significados de Ji: (6) espalhar o Daimoku na sociedade atual na Última Era de Degeneração do Darma (Mappo). 

Quando “Ji: realidade e Ri: teorema” são explicados sob o conceito de tempo, “Ji” indica o tempo real decorrido desde o passado até o futuro, enquanto “Ri” implica no estado da mente religioso, pacífico e iluminado que transcende o tempo. É como o estado mental de perceber a eternidade num momento. No “Kanjin Honzon-sho (Tratado que Revela a Contemplação Espiritual e o Mais Venerável)”, Nichiren Shonin usa o termo “Honji” que significa “este tempo” ou “tempo verdadeiro e original”. Este conceito expressa um estado religioso da mente, onde nós, que recebemos e preservamos o Ensinamento do Daimoku, nos unificamos com o Buda Shakyamuni Original neste mundo de resistências (Mundo Saha) e ao mesmo tempo, este próprio Mundo Saha é transformado na eterna terra pura. Portanto, Nichiren Shonin afirma que somos capazes de ser abraçados por este tempo eterno, acreditando e entoando o Daimoku. No entanto, considerando este mundo real, estamos no meio da Última Era da Degeneração do Darma chamada “Mappo”, quando este mundo está repleto de problemas e de pessoas que sofrem. Portanto, Nichiren Shonin tentou realizar a terra pura de “Honji” (o tempo de Ri) no mundo real de “Mappo” (o tempo de Ji) espalhando o Daimoku entre os seres vivos. Ao encarar a realidade de “Mappo” Nichiren não se acomodou às suas próprias práticas para a iluminação, ao invés disso, ele se esforçou para eliminar o sofrimento das pessoas espalhando o Daimoku.

Ele também descreve o estado de iluminação em “Honji” como o Ichinen-Sanzen, instalado nas mentes das pessoas que recebem e preservam o Daimoku. Mas, este mundo flutuante e real na Última Era da Degeneração do Darma pode também refletir o fenômeno de Ichinen-Sanzen na sobreposição dos dez aspectos das causas primárias, causas ambientais, efeitos, recompensas, retribuições e assim por diante. O primeiro, contudo, é o estado que está unido com o Buda Shakyamuni através da fé de receber e preservar o Daimoku, enquanto o segundo é o mundo factual das mentes sofredoras e confusas dos seres sencientes. Neste mundo real de “Mappo”, pode-se dizer que todas as pessoas passam pelos mesmos sofrimentos da mesma maneira, de modo que a sociedade não pode ser reformada, independentemente de como uma pessoa corrige suas visões erradas. Nichiren Shonin, inserido na sociedade real de Mappo, pensava que, para acudir todos os seres sencientes, deveria haver nada além de um caminho. Seria corrigir todas as visões erradas do fundo de suas mentes pelo mesmo método. Logo, ele descobriu o ensinamento para corrigir as mentes de todos os seres sencientes na doutrina de Ichinen-Sanzen, e esta doutrina deveria estar conectada diretamente com o Buda Shakyamuni através do recebimento e da preservação do Sutra do Lótus pela Fé. Para Nichiren Shonin, o caminho era o Daimoku composto pelos Cinco Caracteres (Myo, Ho, Ren, Ge e Kyo).

Nos próximos parágrafos aprenderemos os significados de espalhar o Daimoku, composto pelos Cinco Caracteres, nesta Última Era da Degeneração do Darma (“Mappo”) com referência ao quinto ponto dos vários significados de “Ji”. Isto é, ler o Sutra do Lotus através de “Shiki: cor”. 

Para renovar a história (lendo o Sutra do Lótus através de “Shiki: cor” e a percepção das predições de Buda (Mirai-ki)

“Mirai-ki” literalmente significa “a descrição futura”, mas na realidade são as predições do Buda. Por exemplo, há uma predição das Três Eras: a Era do Darma Verdadeiro, a Era da Semelhança do Darma e a Última Era da Degeneração do Darma. O período de 1000 anos após o falecimento de Buda Shakyamuni é chamado de ‘a Era do Darma Verdadeiro’, quando os ensinamentos virtuosos são transmitidos, e o próximo período de 1000 anos é chamado de ‘a Era da Semelhança do Darma’. Durante este período, permanecem apenas os ensinamentos superficiais. Após a ‘Era da Semelhança do Darma’ começa a Última Era da Degeneração (Mappo). Diz-se que durante este período, os ensinamentos virtuosos desaparecem, conflitos emergem incessantemente e o mundo fica confuso. A Última Era dura 1000 anos ou mais e no final o mundo estará devastado. Muitos sutras Mahayana descrevem esta predição cronológica e Nichiren Shonin estava firmemente convencido que este é o mesmo período quando o ensinamento verdadeiro e virtuoso deve se espalhar, encontrando o verdadeiro ensinamento no Sutra do Lótus.

O Sutra do Lótus afirma que quando o Darma do Buda estiver prestes a desaparecer, o praticante do Darma Verdadeiro aparecerá para espalhá-lo, independentemente das várias perseguições que ele sofra. Por exemplo, capítulo 13 “Encorajamento para Preservar Este Sutra”, descreve a resolução do praticante que tenta espalhar o Sutra do Lótus, ao custo de sua vida, na era terrível após o falecimento de Buda. Ele irá sofrer várias perseguições tais como calunias, abusos ou ameaças com espadas e varas. Também é pregado no capítulo 20º, “Bodhisattva Sem Desprezo”, que Buda Shakyamuni, em uma das suas existências anteriores, determinadamente praticou para prestar respeito aos seres sencientes como o Bodhisattva Sem Desprezo e foi perseguido por budistas corruptos. Ele foi caluniado, abusado e ameaçado com vara, um pedaço de madeira, telha ou uma pedra. Depois que o bodhisattva purificou as retribuições de suas vidas anteriores, suportando tais perseguições, ele conheceu os ensinamentos do Sutra do Lótus quando estava prestes a morrer. 

Dado que o tempo de vida do Bodhisattva Sem Desprezo foi prolongado, ele pôde propagar o Sutra do Lótus. Nichiren Shonin afirma que o capítulo 13 apresenta o voto da propagação futura, enquanto o capítulo 20 indica o exemplo da propagação passada e que estes dois episódios são consistentes no passado, presente e futuro. Ele pensou bastante nestes episódios porque eram muito similares as perseguições que ele sofreu. Consequentemente, Nichiren Shonin aprofundou sua conscientização de que o Sutra do Lótus não era um conto fantástico sobre um mundo imaginário do passado para o futuro, e que ele mesmo era a personificação, principalmente, como o praticante que renovaria este mundo corrompido da Última Era e realizaria a terra pura baseado na predição descrita no Sutra do Lótus. 

(*) Textos publicados no Nichiren Shu News de fevereiro e abril de 2006 e traduzidos pela equipe de traduções da Nichiren Shu Brasil em agosto de 2019.

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