Por Reverendo Yodo Okuda

A origem da cerimônia de Urabon é na Índia, mas essa cerimônia de Ohigan é do Japão. Não tem na Índia e nem na China. Porque essa cerimônia foi inventada pelos japoneses e agora é considerado um dia especial? Essa cerimônia é realizada no dia de equinócio, para que nós possamos encontrar com formas de existência que não é possível enxergar, ou seja, nossos antepassados. Antes de o budismo entrar no Japão, os japoneses acreditavam que existem quatro oportunidades no ano em que é possível encontrar com esses seres que não podemos ver, dia primeiro do ano, nos dois equinócios e Obon (esse já por influência do budismo).

No dia de equinócio o Sol nasce exatamente ao Leste e se põe exatamente no Oeste. Durante três dias antes do dia de equinócio e três dias depois podemos encontrar com esses seres que não é possível enxergar normalmente.

Os japoneses realizavam um evento nessa época, no calendário antigo, porque nessa época se iniciava a cultivar arroz, especialmente primavera. No outono era a época da colheita. Antigamente, mais de 70% da população do Japão era formada por agricultores. Os senhores feudais poderosos mediam suas forças pela quantidade de arroz que tinham estocado. Durante muito tempo, o arroz foi o produto mais importante.

Se o arroz não ficar pronto para colher, a vida do povo estava ameaçada, por isso era muito valorizado. Até o grão de arroz era consagrado.

O mais importante para o arrozal é o Sol. A família Imperial, que governava todas as pessoas do Japão, reverenciava um deus que se chama Tensho Daijin (天照大神, 天=céu, 照=brilhar, 大神=deus) que é o Sol. Então todos rezavam para o Sol no equinócio, pois o povo dependia da agricultura. Essa reza se chamava Hi-gan (日願, 日=Sol e 願=rezar).

Quando o budismo entrou no Japão, entrou outro tipo de Higan (彼岸), que quer dizer “outro lado do rio”. O que será o outro lado do rio? É o mundo da Iluminação.

Então, os dois tipos de Higan se juntaram.

Geralmente no dia de equinócio nós oramos por nossos antepassados, como eu já expliquei, e praticamos três dias antes do dia do equinócio e três dias depois as seis paramitas como uma forma de atravessar para o outro lado do rio, para a margem da Iluminação. Poderia dizer que é uma semana de prática de Budismo.

Vamos ver então Higan a partir da visão budista. O antônimo de Higan é Shigan (此岸), que significa “esta margem do rio”. O que é esta margem do rio? É o mundo que nós vivemos. O nosso cotidiano é sempre uma luta com os nossos desejos mundanos. Repetimos a mesma luta todos os dias. Por isso o Buda Shakyamuni disse que essa vida é sofrimento, dukkha. Isso que é Shigan. Se você está com o dente estragado ou dor de garganta, então você vai sofrer. Mas, o sofrimento que o Budismo fala é mais amplo. O maior sofrimento de nossa vida, muitas vezes, é porque as coisas não são como nós desejamos. E vocês, conseguem realizar todos os seus desejos? Acredito que não todos. Por exemplo, não talvez não consegue namorar com a pessoa com que que deseja, ou tem alguma doença, ou compra ações na bolsa de valores e elas desvalorizam e etc… Talvez, na verdade, a maior parte de nossos desejos nós não conseguimos realizar. Nós pensamos sempre “eu, eu, eu”.  Mas, na visão do Buda Shakyamuni, nós vivemos no mundo dos desejos mundanos.

Se atravessar o rio e chegar do outro lado, então será possível controlar os desejos mundanos e amenizar ansiedade e ficar pacífico. Nesse lugar, no centro do outro lado do rio, existe uma pessoa que se esforçou para resolver todos os sofrimentos, que se chama Buda Shakyamuni e ele está nesse momento pregando o Ensinamento com sabedoria e compaixão profunda. Por isso, nós que estamos no mundo dos desejos do mundo, queremos nos aproximar do coração do Buda nesse dia de Ohigan.

No nosso cotidiano nós precisamos calcular dinheiro para sobreviver e às vezes também mentir para obter algum benefício, mas pelo menos nessa semana de Ohigan devemos nos considerar como discípulos do Buda que atingiu a Iluminação por muita compaixão e sabedoria e desejar viver mais pacificamente e em harmonia.

Tem uma palavra chamada Tōhigan (到彼岸). Tō (到), quer dizer chegar, ou seja, chegar em Higan, o outro lado do rio. Mas, as vezes se escreve Higantō (彼岸到), no caso significa que o Higan que vem para cá.  Todo mundo pensa que nós praticamos para atravessar, chegar do outro lado do rio, mas Higantō quer dizer que aonde nós praticamos já é Higan. Isso é muito importante. O cotidiano das pessoas modernas é muito corrido, mas o local onde nós praticamos juntos, recitamos o Sutra e o Daimoku ao Buda é Higantō.

Então, como eu já falei, a origem de Ohigan não é indiana e nem chinesa, mas é um bom dia para refletir sobre o nosso cotidiano, agradecer aos antepassados, acreditar e praticar o ensinamento do Buda e reconhecer que aqui já é a Terra Pura do Buda Eterno.

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