Por Reverendo Shinkai Oikawa, Litt. D. 

O Conto de Devadatta: Vou contar-lhes uma outra estória. Existem vários tipos de pessoas no mundo. Shakyamuni não necessariamente era acompanhado por pessoas respeitáveis. Uma dessas pessoas ruins se chamava Devadatta que aparece no Sutra do Lótus. Devadatta afrontou Shakaymuni mesmo eles sendo primos.  Devadatta entrou para a sangha budista e se tornou um monge. Visto que ele discordava dos expedientes de Shakyamuni. Ele decidiu matar Shakyamuni de uma maneira ou de outra.

Devadatta conspirou e fez um pacto secreto com o príncipe herdeiro Ajatasatru (Ajase) dizendo “Principe Ajatasatru, seu pai, Rei Bimbisara ainda viverá muito. Mate seu pai. Eu matarei meu mestre Shakyamuni. Assim, um de nós, dois jovens, será um rei e o outro será um jovem líder da sangha budista e juntos podemos nos dar bem”.

Ajatasatru colocou seu pai, o rei, na cadeia e lhe impôs jejum e morrer de fome. Isto foi extremamente cruel. Sua mãe, Rainha Vaidehi, ao ouvir que o Rei Bimbisara estava preso e morrendo de fome na cadeia, obteve permissão para entrar na cela. Ela cobriu seu corpo de mel para tentar deixar o rei lamber o mel e sobreviver por mais tempo. Mas o plano dela foi logo descoberto e fracassou. O rei estava ficando cada dia mais magro. Naquele momento, ele olhou para fora, através de uma janela no alto da cela, orando “Buda me ajude. Buda me ajude”. Foi então que Buda o encorajou a distância com as palavras “Está tudo certo. Faça o seu melhor”. O rei se esforçou para sobreviver mesmo com tremedeira constante. Ao saber que o rei tentava se manter vivo, Ajatasatru mandou cobrir a janela e provocou a morte do seu pai.

De outro lado, um monge chamado Devadatta era também mal. Ele fez todos os esforços possíveis para matar Shakyamuni. Por exemplo, ele forçou um elefante ingerir bastante bebida alcoólica fazendo-o enlouquecer e correr para o Buda e soltar uma enorme rocha do topo de uma montanha para esmagá-lo. Além disso, ele se escondeu debaixo do chão e tentou matá-lo com suas unhas venenosas. Há um registro de que uma pequena rocha rolando para baixo feriu e sangrou o dedo polegar de Buda. Devadata não media esforços para prejudicar o Buda, mas ele não conseguia ser bem-sucedido. Dizem que ele cuspia sangue quando caiu no inferno no final.

O Príncipe Ajatasatru matou o próprio pai, se arrependeu do que fez e depois se tornou um discípulo de Shakyamuni. Ele não caiu no inferno porque se arrependeu. Devadatta é muito mal falado. Embora se diga no budismo que ele se revoltou contra Shakyamuni e dividiu a sangha, esse caso não ficou bem esclarecido. Por exemplo, Devadatta entregou a Shakyamuni um documento com cinco pedidos querendo que Shakyamuni melhorasse o corpo religioso da sangha porque estava havendo negligências.

Os pedidos de Devadatta foram os seguintes: Os monges não devem sair acompanhados. Eles devem praticar asceticismo um pouco longe de companhias. Eles devem sobreviver somente das esmolas de alimentos. Eles não podem ser convidados para refeições. Eles devem usar somente mantos monásticos chamados pamsukula (hunzuoe). O que uso agora não é “hunzuoe”, porque está limpo. “Hunzoue” são mantos monásticos feitos de tecidos desgastados jogados no lixo ou tecidos para embrulhar cadáveres deixados nos cemitérios.

Os cemitérios nos tempos antigos não eram lugares tão limpos. Eram lixeiras para cadáveres onde se via claramente como os cadáveres se decompunham. De modo geral, como os cadáveres apodreciam, eram consumidos por vermes, pássaros ou animais, atingidos pelas chuvas e se tornavam esqueletos. Aos poucos os esqueletos se quebravam em pedaços. Os monges budistas nos tempos antigos (não no Japão) praticavam asceticismo com frequência nos cemitérios para compreender a fragilidade dos seres humanos.

Da última vez, eu disse que Shakyamuni ensinou sobre a transitoriedade da vida no cemitério para Nanda cuja cerimônia de casamento Ele compareceu para forçá-lo a ser um monge contra sua própria vontade.  Os cemitérios nos tempos antigos não eram como os lugares de hoje que são adornados lindamente com flores, mas como lugares temíveis e sombrios. “Hunzoue” são mantos monásticos remendados feitos com tecidos de pessoas mortas recolhidos em cemitérios. Devadatta insistiu que os monges deveriam observar a regra de usar “Hunzoue”. E ele ainda acrescentou, “Não é permitido comer carne de pássaros, peixes e animais”.

Então Shakyamuni ficou incomodado. Os monges recebem comida feita por famílias comuns. De modo geral, elas fazem uma refeição vegetariana diariamente? Claro que não. Elas variam a comida todos os dias preparando um prato de carne de frango hoje ou um prato de carne de porco amanhã. Então, elas oferecem aos monges a comida do dia. Os monges devem comer a comida. Portanto, eles podem ficar sem comer se não aceitarem carne de frango, porco ou carneiro.

Por essa razão, no budismo, esses alimentos não são proibidos. Shakyamuni explicou que essas coisas são realmente duvidosas. Mas Devadatta insistiu, “Isto não é permitido. Devemos ter comida vegetariana real”. Shakyamuni então disse, “Isto é praticamente impossível porque vivemos com pessoas”. Traduzi um livro que explica o que é duvidoso ou corrompido. O livro diz que não é duvidoso ou corrompido aquele que comer carnes de peixes ou de animais. Uma passagem responde a este problema como segue:  Uma vez Shakyamuni foi condenado por um brâmane que lhe questionou, “Você come comida bem cozida e bem-feita oferecida pelas pessoas. Você leva uma vida de luxo, não leva? Você é realmente um asceta?”.

Shakyamuni respondeu, “Dúvida ou corrompimento não é tanto um problema como você insiste. É problema real se matarmos, batermos, cortarmos, prendermos coisas vivas ou roubarmos coisas das pessoas, inventarmos mentiras, enganarmos e trapacearmos os outros ou tivermos um caso amoroso ilícito com a esposa de outro homem. Comer carne animal não é impróprio”. “É impróprio se nós mesmos matarmos e comermos carne suína e carne de ratos. Mas não é impróprio comer comida feita e oferecida por outras pessoas. Impróprio é fazer o mal”.

Portanto, o budismo instrui desde a época de Shakyamuni, “Você deve aceitar de bom grado qualquer comida, mesmo carne, que outros cozinham e oferecem. Mas não deve ser cobiçoso de seus gostos. Você deve comer a comida como sendo valiosa para se nutrir apenas por hoje”.

Aqueles que impedem a missão de Shakyamuni: Estou contando estórias estranhas, mas tudo não correu tão bem quando Shakyamuni propagou seus ensinamentos. Os ensinamentos dele são o Budismo. Porém há muitos tipos de religiões na Índia além do budismo. Era natural que quanto mais amplamente o Budismo fosse praticado, mais oferecimentos chegavam ao budismo de Shakyamuni. Isto significa que menos oferecimentos foram para outras religiões. Consequentemente, aqueles que estavam preocupados com este fato foram ficando com mais raiva do budismo, pensando “Aqueles sujeitos! Que vão todos para o inferno! Que vergonha!”. Então alguns deles começaram a tentar matar ou esmagar Shakyamuni. É por isso que nem tudo estava bem com Shakyamuni.

No entanto, Shakyamuni não fez nada de mal e nem havia nada escandaloso sobre Ele. Alguns deles tentaram colocá-lo numa posição difícil através de truques sujos. A melhor maneira de provocar escândalos tem sido, desde os tempos antigos, usar uma mulher para atrair um homem para um caso amoroso. Isso é a pior mancha para um líder religioso. Ele deverá ser chamado de “um falso líder religioso”. Algumas pessoas religiosas tentaram tais maneiras repetidas vezes.

Uma delas persuadiu a bela filha muito jovem de um peregrino chamada “Chincha” a “agir como um chamariz”. Ela concordou com a proposta, dizendo, “Sim, eu farei isso”. Ela agiu para atrair atenção pública, demorando-se em torno de Jetavana-vihara, onde Shakyamuni vivia. Quando lhe perguntaram, “Onde você foi?” ela respondeu, “Eu estive com Shakyamuni”. Em pouco tempo, ela começou a agir, colocando alguns pedaços de pano em volta do estômago como se estivesse grávida. E mais, ela tinha algo como uma grande bacia sob suas roupas e havia rumores de que sua gestação estava completa.

Logo, boatos correram por toda a cidade que Shakyamuni havia engravidado Chincha independente dos seus feitos maravilhosos. Ouvindo tais boatos terríveis, seus discípulos se preocuparam com ele. Mas Ele não deu importância aos boatos e agiu com absoluta indiferença, dizendo “Deixe-os como estão. Este tipo de ação maligna será descoberto na hora certa”.

Chincha ainda respondeu que estava grávida de Shakyamuni. Mas aconteceu que a cinta dela estava desamarrada e a bacia caiu inesperadamente. Então todos os seus atos malignos foram descobertos de uma só vez. Shakyamuni conseguiu escapar da fraude de Chincha com uma atitude digna, significando que ele não fez nada de errado.

Ainda há outra história semelhante. O plano era o seguinte: Aqueles que tinham algo a ver com outras religiões espalharam um boato desagradável de que Shakyamuni tinha entrado num relacionamento com uma prostituta seduzindo-a para ficar a sua disposição. E então, eles a mataram e enterraram no fosso de um castelo, espalharam um boato, dizendo “Ela desapareceu. Onde ela está agora?”. Depois disso, eles desenterraram o corpo dela e fizeram uma reclamação, dizendo “Os budistas fizeram uma coisa tão cruel. Eles a mataram e enterraram no fosso para encobrir o boato”.

Ouvindo o boato, um discípulo disse para Shakyamuni, “Algo terrível aconteceu para nós. O que devemos fazer?” Ele respondeu “Deixe como está. Será descoberto em breve”. Uma investigação rigorosa provou, em pouco tempo, que alguém havia cometido o crime.  

Numa palavra, a sangha budista parecia ter se desenvolvido satisfatoriamente, mas do ponto de vista das outras sanghas religiosas, elas se sentiram um pouco desconfortáveis na presença da sangha budista. Na verdade, elas brigaram por seguidores e houve muitas disputas entre elas em relação ao aumento de seguidores. É exatamente como as batalhas de vendas entre os supermercados. Quando os índices de vendas de uma loja sobem, os de outra loja caem. Para resolver este problema, uma loja pode espalhar o boato de que uma outra loja vende artigos de baixa qualidade. Embora seja uma estratégia de um nível muito baixo, em linhas gerais, na verdade, religião não é tão refinada quanto presumimos. Eu somente quis lhes contar que os monges tinham muitos problemas com as sanghas deles naquela época.

Shakyamuni entrando no Nirvana: Hoje esta série de palestras termina. Mas acho que não falei totalmente sobre Shakyamuni. A última parte é sobre Shakyamuni entrando no Nirvana. Embora sua missão tenha corrido bem, todos os parentes dele foram assassinados por Vidudabha, o Rei de Kosala, no final de sua vida, como lhes disse antes. Shakyamuni suplicou três vezes durante as guerras: “Não os mate”. Mas na quarta vez, o exército de Kosala invadiu o país do clã dos Shakyas e exterminou o clã. Na verdade, parece que nem todos do clã foram assassinados. Há uma estória sobre esta guerra. Um rei do clã dos Shakyas suplicou pelas vidas humanas do seu clã, dizendo “Por favor não mate a todos. Deixe o portão aberto para permitir que nosso clã saia por um curto período enquanto eu afundo até o fundo desta lagoa e flutuo de volta a superfície”. Rei Vidudabha disse, “Sim, concordo com seu pedido”. Algumas pessoas do clã dos Shakyas poderiam escapar naquele momento.

No entanto, o rei não emergiu da lagoa. Perguntando-se o que houve, eles mergulharam na lagoa e encontraram o rei do clã dos Shakyas morto com seus cabelos amarrados numa raiz de arvore no fundo da lagoa. Tentando salvar o maior número de pessoas possível, o rei amarrou seus cabelos na raiz da arvore no fundo da lagoa. Então alguns, não todos, do clã dos Shakyas foram salvos, graças ao sacrifício do rei. A seguinte passagem é a prova de que o clã inteiro não foi exterminado. Após o falecimento de Shakyamuni, suas cinzas foram divididas em oito porções e levadas para alguns países, um dos quais era o “país dos Shakyas”. Suas cinzas foram entregues ao clã dos Shakyas.  Como tais coisas importantes não foram levadas a um lugar onde as pessoas não existiam, podemos supor que nem todos os membros do clã dos Shakyas foram assassinados e que o clã não foi totalmente aniquilado.

Por último, vou contar-lhes quando Shakyamuni faleceu. Diz-se que foi em 15 de fevereiro. Este é o dia em que se realiza a cerimônia de comemoração da morte do Buda Shakyamuni. Penso que esteja correto porque a estação das chuvas chamada “varsika” ou “u-ango” vem em seguida. O primeiro concilio budista decidiu a ortodoxia, ou seja, houve uma reunião de compilação dos sutras nesta temporada depois do falecimento Dele. Partindo da contagem regressiva desta temporada, podemos dizer que ele faleceu em fevereiro.

Shakyamuni pregou seu sermão final pouco antes do seu falecimento aos 80 anos de idade, dizendo “Vou desaparecer em breve. Nenhum ser vivo nunca deixará de morrer e perecer. Esta é a verdade. Uma vez que alguém nasce, é preciso morrer”. Os discípulos perguntaram, “O que devemos fazer depois da sua morte? Por favor, não morra”. Ele percorreu todo o caminho de Rajagrha antes de morrer. Algumas vezes ele se banhava e se lavava no rio acompanhado por Ananda. Há um registro sobre isto dizendo que havia rugas por todo seu corpo. Ele estava com oitenta anos de idade na época. Ele era um homem idoso comum.

Então, Shakyamuni disse, “Eu quase quebrei como uma carroça frágil. Uma carroça velha deve ser bem amarrada para não se quebrar. Eu sou assim. Tenho muitas rugas por todo meu corpo”.  Isso é natural por causa da idade dele.

Embora Shakyamuni tenha feito o seu melhor até o fim de sua vida, ele esgotou toda a sua energia. Finalmente, ele comeu sua última refeição oferecida por Cunda mas ele teve diarreia. O que ele comeu? Fala-se que ele comeu algum tipo de carne de porco ou algum tipo de trufa ou outro cogumelo. Ele pediu água por fim e disse, “Quero água, Ananda. Me traga água”. Ananda respondeu “Sim, eu sei Shakyamuni. Porém a água do córrego próximo agora ficou lamacenta e muito marrom depois que uma carroça atravessou por ali. Por favor, aguente a sede. A água ficará clara logo”.

Shakyamuni respondeu, “Não, eu não posso aguentar a sede. Me traga água imediatamente”. Ananda não teve outra escolha exceto providenciar água e descobrir que a água muito suja do córrego ficou limpa num instante. Recolhendo a água limpa de surpresa, ele deu a Ele. Shakyamuni bebeu como se estivesse gostando, e é dito que Ele foi para seu último lugar chamado Kushinagara e morreu depois de dizer, “Eu vou entrar no Nirvana aqui”.

Acho que Shakyamuni levou uma vida respeitável de 80 anos. Ele viajou para fazer atividades missionárias no meio da Índia sem descansar por um dia sequer. Ele instruiu muitos discípulos, dizem, milhares ou dezenas de milhares de discípulos, espalhou o Budismo, completou seus oitenta anos de vida sozinho e entrou no Nirvana.

Por fim, vou terminar minha palestra abordando os “Quatro Grandes Votos”. Quero falar lhes novamente sobre isto porque é importante. O primeiro voto é “Seres sencientes são inumeráveis, faço voto de salvá-los todos”. Podemos entender que “pessoas sencientes” são os seres humanos. Os seres humanos vivem em todo o mundo. Este é um voto para salvá-los todos ainda que sejam inumeráveis.

O segundo voto é “Nossos maus desejos são inesgotáveis, faço voto de extingui-los todos”. Um de “nossos maus desejos” é o desejo de obter muito dinheiro, por exemplo. Também temos um desejo sexual bem acentuado, um desejo por conhecimento ou um desejo para ser bem informado e finalmente um desejo de continuar vivendo. Uma vez que nascemos, nosso desejo mais forte é “continuar a viver”. Nos agarramos a este desejo até morrermos. Este voto é para extinguir tais desejos inumeráveis. Mas, na verdade, podemos continuar vivendo porque temos estes desejos.

O terceiro voto é “Os ensinamentos de Buda são imensuráveis., faço voto de estudar a todos”. O budismo é imensurável. Portanto, os estudos dos ensinamentos de Buda não têm fim. É absolutamente impossível estudar o budismo inteiro.

O quarto voto é “O caminho de Buda é insuperável, faço voto de atingir o caminho sublime”. “O caminho do Buda” é excepcional. Nada é maior do que o caminho do Buda. Penso, a longo prazo, que sou um homem de capacidade comum que não consegue fazer nada excelente nessa vida, digo, até mesmo em duas vidas. Os seres humanos são muito difíceis de entender. Todos somos diferentes um do outro. Logo é terrivelmente difícil ou quase impossível entender cada detalhe dos seres humanos. Budismo é estudar os seres humanos, ou seja, estudar “o que é um ser humano” para estudar “o que é viver”. Não conseguimos ficar longe de muita agonia e alegria. Não conseguimos nos livrar disso. Os estudos budistas apontam “o que fazer para resolver estes problemas”. Os “Quatro Grandes Votos” dizem “imensuráveis”. Então diz, “Você não pode”. Eu deveria dizer “Isto é o destino”. Não há escolha. Devemos continuar nos esforçando até morrermos. Concluo agora a última das minhas três palestras “A Vida de Buda Shakyamuni”. Agradeço-lhes imensamente por me ouvirem.  

Fim

(*) Textos publicados no Nichiren Shu News em fevereiro, abril e junho de 2010 e traduzidos pela equipe de tradução da Nichiren Shu Brasil em julho de 2019.

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