Por Reverendo Shinkai Oikawa, Litt. D.  

A vida adulta de Shakyamuni

(1) Do Asceticismo ao Estado Búdico:

Hoje vou lhes contar que Shakyamuni finalmente se iluminou e alcançou o Estado Búdico depois de ter deixado seu castelo e praticar asceticismo severo, mas receio não poder falar-lhes sobre Iluminação convincentemente.

Shakyamuni se Iluminou e alcançou o Estado Búdico aos 35 anos de idade. Como ainda não estou Iluminado, não sei exatamente o que é a Iluminação. É por isso que estou preocupado se posso ou não  falar do Buda de forma suficientemente clara para vocês.

Eu trouxe um livro para minha palestra de hoje. Vou falar de acordo com o que diz um grande erudito sobre o Buda. Lamento dizer que a palestra de hoje pode deixá-los com um pouco de sono porque fala sobre “Iluminação”. 

Da última vez, falei que Shakyamuni saiu de sua casa no Castelo de Kapila aos 29 anos de idade. Por que ele saiu de casa? Porque ele não queria ser rei. Como rei ele poderia levar uma vida confortável e agradável e usufruir de muitos prazeres, mas não poderia evitar a enorme responsabilidade de governar um país. Shakyamuni deveria estar sempre pensando na segurança das pessoas. Provavelmente, não se achava qualificado para ser um rei.

Rahula, o filho único de Shakyamuni, nasceu quando ele ainda era um príncipe aos 29 anos de idade chamado Siddartha. Ele ficou muito feliz com o nascimento do filho, porque finalmente poderia sair de casa. Obrigatoriamente ele tinha que ter um sucessor. Ele teve um filho, cumpriu com suas responsabilidades e concluiu que poderia deixar o castelo já que seu filho o sucederia como príncipe herdeiro do país. Por fim, ele partiu de casa com grande satisfação. 

Posteriormente, Shakyamuni praticou asceticismo com afinco durante seis anos. Um asceta é chamado de bhiksu (em sânscrito), um monge Budista que pratica asceticismo esmolando por comida e se alimentando como se fosse um mendigo. Ele não levava uma vida boa ganhando dinheiro, comprando ou comendo o que quisesse. Ele não ganhava dinheiro de forma alguma. Shakyamuni viveu por seis anos esmolando por comida e se alimentando como um bhiksu.

Shakyamuni praticava muitos tipos de asceticismo severo como ter uma única refeição por dia, parar de respirar, queimar-se ao sol nos dias quentes e ficar acordado a noite toda. 

O asceticismo de cem dias é realizado no “Grande Salão dos Exercícios Ascéticos Rigorosos” da Nichiren Shu no inverno. Este asceticismo é praticado durante cem dias ininterruptos desde 1º de novembro até 10º de fevereiro. Este asceticismo é muito rigoroso. Então os sacerdotes podem voltar com muito orgulho. 

O asceticismo de Shakyamuni foi muito mais rigoroso. Ele continuou praticando sem descanso por seis anos. Seis anos somam cerca de dois mil e duzentos dias. Então, conclui-se que Shakyamuni praticou o asceticismo de cem dias por vinte e duas vezes incessantemente. Seu corpo ficou debilitado. Qual foi o resultado? Ele conseguiu alcançar a Iluminação espiritual? Este é o ponto mais importante. Infelizmente, como lhes disse antes, ele não conseguiu.

A mente de Shakyamuni não alcançou o estado de Iluminação espiritual. Portanto, ele parou de praticar o asceticismo. Os cinco bhiksus que o acompanhavam pensaram que ele estava “sem esperança” ou “degenerado” porque os indianos naquela época acreditavam que nunca se deixaria de alcançar a Iluminação se se praticasse o asceticismo. Assim, os cinco bhiksus acharam que não adiantava segui-lo e foram embora, deixando-o sozinho.

(2) Banho no Rio Nairanjana

Então Shakyamuni chegou em uma vila, uma jovem menina chamada Sujata deu para ele mingau de arroz e ele se sentiu revigorado. Resumindo, ele teve uma refeição decente. Após recuperar suas forças, ele se banhou em um rio límpido nas proximidades chamado de Nairanjana, lavou a sujeira do asceticismo severo e pensou sobre o que iria fazer a seguir. Ele abandonou seus pais e um bebê recém-nascido e se tornou um bhiksu. Como ele saiu de casa para se Iluminar, ele não poderia falhar na sua busca. O que ele poderia fazer então?

Está cada vez mais difícil para mim ir além deste ponto. O que vou falar vem da minha imaginação. Penso que não entendemos o que é a verdade sem realmente vivenciá-la. Eu não entendo aquilo que não posso experimentar independente do que uma grande pessoa afirme. Mas, um livro escrito pelo meu professor explica algo como se ele entendesse a verdade perfeitamente, sem realmente experimentá-la. Isso me faz pensar se meu professor realmente entende a verdade ou não. Eu o acho um mestre maravilhoso, mas ainda duvido que ele realmente entenda a verdade. 

O que quero dizer-lhes é que religião não é um estudo, mas sim uma experiência prática. Experiências pessoais devem apelar diretamente para nossos corpos e não apenas para nossas cabeças. Isto é religião. Mas, Shakyamuni praticou asceticismo tratando a si mesmo cruelmente em vão.

Ele contemplou, “O que devo fazer agora?”. Ele se lavou, comeu uma tigela de mingau e sentiu-se revigorado. Ele recuperou suas forças rapidamente porque ele tinha uma energia vital forte. Ele deve ter se sentido completamente exausto no rio. Quando ele contemplou de olhos fechados “o que devo fazer em seguida”, ele pode ter recordado de sua infância. Posso dizer isso de minha própria experiência. Eu vivi neste templo (Templo Honryuji) por quarenta anos. Eu vivia aqui quando era um garoto travesso. Quando cheguei aqui hoje, depois de uma longa ausência, lembrei-me do tempo quando me entregava à diversão. Eu posso recordar claramente de alguns detalhes da minha infância. Acho que Shakyamuni fez o mesmo.

Quando Shakyamuni era menino, ele morava no Castelo de Kapila de onde se avistava as montanhas do Himalaia na região norte da Índia. Ele se recordava dos bons dias em que vivia uma vida pacífica.

Shakyamuni estava sob uma grande árvore aproveitando o ar fresco, enquanto os camponeses aravam os campos com seus bois. Então, uma minhoca foi arrancada da terra, um passarinho a apanhou e voou com a minhoca no seu bico. Depois, um grande pássaro voou para atacar o passarinho e voou com ele no bico. Penso que Shakyamuni recordou esta sequência de cenas. 

Então, Shakyamuni percebeu a necessidade de pensar sobre a estrutura do mundo com precisão. Qual é a estrutura do mundo? Afinal de contas, não somos nós seres humanos que estamos construindo esse mundo? No que diz respeito ao mundo, a sociedade e a vida, cada um de nós o está construindo. “O que são os seres humanos então?” Ele não poderia ficar em paz sem resolver este problema,  portanto, o Buda parece ter começado a refletir dessa maneira. Em outras palavras, isso foi observar as pessoas. Embora cada um de nós, seres humanos, não seja o mesmo, é fundamental nos observarmos. É tão difícil de entendermos os outros que precisamos novamente nos observar atentamente. Como funcionam nossos corpos? Como mudam nossos sentimentos?  Buda parece ter começado a pensar “Vou observar o corpo mais uma vez com cuidado porque posso conseguir entendê-lo”. 

Normalmente estamos ocupados neste mundo, não estamos? Isto porque as circunstâncias ao nosso redor nunca deixam de mudar como uma lanterna giratória. Parece que temos tempo para pensar em nós mesmos, mas realmente não temos. 

Quando adoecemos, consultamos apressadamente um médico ou pensamos seriamente em nossa própria saúde. Mas, geralmente não nos cuidamos quando estamos com boa saúde. Não percebemos como nossos corpos são valiosos. 

O Buda recuperou sua saúde comendo uma tigela de mingau, mas Shakyamuni deve ter pensado que ele não poderia resolver os problemas do mundo a menos que ele pensasse nos seres humanos em primeiro lugar. Shakyamuni nunca deixou de contemplar os corpos e mentes humanas, especialmente os seus, enquanto praticava meditação. Eu acho que ele decidiu solucionar o problema sobre “O que é um ser humano?”.   

(3) Meditação sob a árvore Bodhi – Contemplação do corpo

Eu acho que Shakyamuni teve tempo para se recuperar da exaustão depois de se banhar no Rio Nairanjana. Ele foi para os bosques de uma cidade próxima chamada Gaya, atual Buddhagaya, e sentou-se em meditação. 

Lá está de pé uma árvore grande chamada de “árvore Bodhi”, sob a qual ele se sentou e meditou há dois mil e quinhentos anos atrás. Eu tenho traduzido livros escritos na língua indiana há aproximadamente mil e quinhentos anos para o japonês e encontrei nos livros algumas características significativas. Os indianos conhecem o corpo humano surpreendentemente bem.

Eles conheciam não somente os olhos, nariz e boca, mas também todos os órgãos internos:  fígado, rins, coração, estômago, intestinos, que foram todos descritos na antiga língua Pali.

Eles conheciam precisamente sobre muitas partes como se já tivessem dissecado um corpo humano. Eles explicaram cada parte desenhando sua imagem e comparando-a com a forma de algo semelhante. Eles citam, por exemplo, tal parte é semelhante a um côco ou mamão ou cerca de metade do tamanho de uma manga.

Há explicações bastante difíceis sobre a bílis que são de dois tipos: uma imóvel e outra que circula no corpo. Os indianos conhecem bem o corpo humano há muito tempo. Então Shakyamuni pensou sobre seu próprio corpo a princípio.

Ele entendeu com o passar do tempo que “nosso corpo nunca deixou de mudar”. Ninguém pode escapar de um processo como o do nascimento, do envelhecimento, da doença e da morte. Esta é a realidade absoluta que ninguém pode negar ou escapar. 

O próximo problema é o sentimento. Isto não é apenas uma faculdade física, mas também a capacidade de entender o que é falado. No budismo, esta capacidade é chamada de “receber”. Todos nós temos essa capacidade de receber. 

Vocês conhecem o sexto sentido ou quinto sentido, não conhecem? Os seis sentidos são os “olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e a mente”. Os seres humanos têm recursos excelentes com os quais podem receber tudo que vem de fora. Recebemos ambas as coisas prazerosas, agradáveis e deliciosas como também coisas dolorosas, amargas, desinteressantes e desagradáveis. Não podemos evitar de receber ambas as coisas boas e ruins. 

Portanto, Shakyamuni começou a pensar que os seres humanos são animais em seus corpos, mas ao mesmo tempo, eles são afetados pelos seus sentimentos. Ele achou que isso torna muito difícil ter paz na mente. 

Shakyamuni primeiro teve uma experiência amarga ao ter praticado asceticismo em vão. O que era aquilo que ele não pôde compreender mesmo depois de longa meditação e asceticismo?

Ele sobreviveu a um período longo de asceticismo. Por que ele sobreviveu? Suponho que o Buda se perguntava seriamente se os seres humanos poderiam ou não ter o desejo natural de sobreviver. 

De modo geral, pessoas saudáveis não pensam em seus próprios corpos. No entanto, quando adoecem, eles se preocupam porque querem ficar saudáveis. Eles vão ao médico. Primeiro, o médico tem que fazer um diagnóstico correto do paciente: se é apenas um resfriado ou um vírus específico da gripe ou possivelmente pneumonia. Se o médico faz um diagnóstico errado, ele não consegue curar a doença e causa grande problema. Portanto, ele tem que identificar “a causa da doença”. 

Os pacientes procuram o médico para ter a doença curada. Se o médico somente identificasse a causa da doença e não fizesse nada a respeito, os pacientes não saberiam o que fazer. O médico deve prescrever-lhes o tratamento apropriado, remover as causas da doença e curá-las completamente. Mas se o médico prescrever tratamento excessivo, a doença pode se agravar. O médico sempre tem que entender o que é a melhor condição física normal dos seres humanos e o quanto de remédio ele deve receitar aos pacientes.   

(4) Alcançando o Estado Búdico – livrando-se de doenças mentais:

Shakyamuni contemplou profundamente ambas doenças físicas e mentais ao mesmo tempo. Na verdade, doença mental é o mesmo que doença física. Ele achava que tinha que entender exatamente o que era a aflição mental e o que a causava.

Através de vários esforços ele gradualmente encontrou maneiras de se livrar da aflição mental. Shakyamuni, eu suponho, pensou que o lugar onde evitamos totalmente a aflição era chamado de “Terra Pura”. 

Shakyamuni contemplou seriamente a estrutura na qual os seres humanos vivem, ou seja, “o que são os seres humanos”, “por que vivemos”, “para que vivemos”, “como devemos completar a vida e a morte”.

Ele pensou como e por que ele viveu, em seguida, ele deve ter percebido claramente o que ele era. Um dos meus professores, o falecido Dr. Hajime Nakamura, escreve em um dos seus livros que “Shakyamuni não percebeu muito bem o momento em que ele se iluminou, embora ele deve ter compreendido pelo menos o problema fundamental”. 

Qual é o problema fundamental? É a estrutura da qual consistem os seres humanos. Nós também a chamamos “engi” (vir a existir na interdependência com outras coisas).

Os seres humanos existem física e mentalmente em uma estrutura que resulta da causação. Se entendermos esta regra, podemos entender o que somos no presente e achar fácil elaborar nossos planos futuros. Tudo o que precisamos é pensar seriamente sobre o que devemos fazer para sermos felizes fundamentados neste princípio. Visto que cada pessoa é bem diferente e segue sua maneira de pensar, cada problema individual parece difícil de ser resolvido.

O Dr. Nakamura acha que talvez Shakyamuni não tenha entendido o problema no final das contas, porque não há palavras claramente definitivas dele em vários sutras. Certamente, Shakyamuni não comentou nada com ninguém depois da sua Iluminação, sentando-se em silêncio e permanecendo satisfeito. Ele se manteve em silêncio por sete semanas. Ele não disse, “Eu despertei espiritualmente deste modo” ou “Ensinarei em nome dos seres humanos”. Ele parecia achar que estava sinceramente satisfeito com sua Iluminação e não desejava nada mais.  Parecia querer somente morrer. No entanto, um deus não o deixou sozinho.  

(5) A Invocação do Rei do Céu de Brahma:

Um deus chamado Rei do Céu de Brahma apareceu e disse para Shakyamuni, “Grande Buda, é uma pena que você irá morrer sem pregar o que alcançou através da Iluminação, portanto, você poderia pregar para as pessoas?” Embora o deus o encorajasse a fazer isso por três vezes, ele não estava disposto. Isto é chamado “a invocação do Rei do Céu de Brahma”. Ele ficou perplexo.

Shakyamuni sabia muito bem que este mundo é multifacetado (consiste em aspectos numerosos). Ele entendeu o princípio dominante e as várias leis do mundo. Mas ele não pretendia pregar porque ele não queria que sua presente paz da mente fosse perturbada ouvindo as pessoas antes de ele pregar. Então, ele ficou sem saber o que responder. 

Embora o Dr. Nakamura diga que o Buda estava constrangido porque ele não conseguia falar claramente, acredito que o Buda entendeu tudo, porque ele estava inteiramente Iluminado e verdadeiramente se tornou um Buda (o Desperto, o Iluminado) conhecedor de tudo, onisciente e onipotente.

Shakyamuni viajou para pregar sobre a “Iluminação” que alcançou sob a árvore Bodhi. Ele viajou por todo o país até o fim da sua vida durante 40 anos, desde a época quando alcançou a iluminação aos 35 anos de idade até sua morte, aos oitenta anos de idade.

Ele pregava sermões adequados para cada ocasião e pessoa. Estes são chamados de “sermões de acordo com a ocasião e a pessoa”. Portanto, há muitas doutrinas budistas. 

Lendo estes sermões remanescentes em anos posteriores, as pessoas levantaram várias teorias budistas tais como “os 37 tipos de práticas para alcançar o Nirvana”, “as quatro nobres verdades”, “o nobre caminho óctuplo”, “os doze elos de causa e efeito” e assim por diante. No entanto, se vocês estudarem, descobrirão que ele não pregou doutrinas budistas, mas sermões adequados à ocasião e à pessoa, isto é, “sermões improvisados”. 

Ele continuou dando respostas bastante adequadas para o que as pessoas mais perguntavam. O que ele pregou então? Para dizer a verdade, há algumas partes que não conseguimos entender, porque não são pregadas de forma sistematicamente coerente. Mas vou contar-lhes o que sabemos sobre como ele pensava e o que ele pregava. 

(*) Textos publicados no Nichiren Shu News de agosto, outubro, dezembro de 2008 e traduzidos pela equipe de tradução da Nichiren Shu Brasil em junho de 2019.

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