Por Reverendo Ryuei McCormick
Nos Estados Unidos, a prática de meditação sentada tornou-se popular o suficiente para que toda grande cidade tenha vários centros de meditação budista, estúdios de yoga e livrarias (ou pelo menos seções inteiras nas principais livrarias) que atendem àqueles que praticam meditação regularmente. O Zen do Japão, Vipassana do Sudoeste Asiático e várias práticas de concentração e visualização do Tibet, têm seus adeptos na América do Norte. A prática meditativa da tranquilidade e do insight (em sânscrito Samatha Vipasyana) foi trazida dos confins do Budismo e usada como uma forma de terapia secular no tratamento do estresse, da depressão e da ansiedade. Se existe algo que os norte-americanos buscam no budismo, seria a prática da meditação silenciosa sentada. Até foi dito, em tom de brincadeira, que na América o nobre caminho óctuplo foi reduzido ao caminho único de meditação. Nos Estados Unidos, algumas pessoas são introduzidas no Budismo Nichiren inicialmente pela prática da meditação sentada, geralmente combinada com a recitação do Odaimoku, na Meditação Shodaigyo.
A primeira vez que encontrei o Venerável Ryusho Matsuda, meu sensei, ele estava conduzindo a primeira prática dominical de meditação no templo de San Jose. Fiquei contente que este tipo de prática era disponibilizado no templo, mas também um pouco surpreso. Depois, comentei, “Eu não sabia que os Budistas Nichiren meditavam”. Ele pareceu bastante surpreso com isso e replicou, “Certamente que meditamos. Todos os budistas meditam”. Naquele momento, aprendi o suficiente para entender que mesmo a prática do Odaimoku é uma forma de meditação que traz concentração e estabilidade mental e abre a mente para que se possa ter o insight do Buda. Também aprendi que o próprio Nichiren deu palestras sobre o “Grande Concentração e Insight” do Grande Mestre T’ien-t’ai (538-597), durante sua vida. E o que é o “Grande Concentração e Insight” se não um manual abrangente sobre a meditação da tranquilidade e do insight inspirado no espírito do Sutra do Lótus? Portanto, ainda hoje, a prática de meditação silenciosa sentada é usada na Meditação Shodaigyo, por exemplo, para acalmar e centralizar a mente na preparação para nossa prática principal de entoar: “Namu Myoho Renge Kyo”.
A prática meditativa da tranquilidade e do insight é baseada nas instruções de meditação do próprio Buda Shakyamuni, conforme proferidas nos Sutras tais como o Grande Discurso sobre os Quatro Fundamentos da Atenção Plena. Poderia razoavelmente ser dito que todas as formas de meditação remontam, de uma forma ou de outra, a este discurso e que todas as formas completas de prática budista contêm os elementos de tranquilidade (Samatha) para acalmar e centralizar a mente e o elemento de insight (Vipasyana), para despertar e compreender a verdadeira natureza da realidade. Até mesmo a meditação Zen é nomeada a partir dos estados de concentração (em Sanscrito Dhyana, Chinês Ch’na-na, Japão Zen) conquistados através da prática da tranquilidade e do insight. O que T’ien-t’ai realizou, em sua obra máxima o “Grande Concentração e Insight”, foi colocar a prática meditativa da tranquilidade e do insight no âmbito do Budismo Mahayana, especialmente do Veículo Único do Sutra de Lótus.
Em sua “Grande Concentração e Insight” e outras obras mais curtas (uma das quais foi incluída na antologia influente de Dwight Godard, a Bíblia Budista, chamada “Dhyana para Iniciantes”) T’ien-t’ai explicou como preparar o próprio corpo, a mente e os ambientes para a prática bem-sucedida da meditação da tranquilidade e do insight. Ele especificou 25 itens diferentes que deveriam ser seguidos, inclusive regularizar o próprio sono e os hábitos alimentares, o vestuário, as pessoas e os lugares de convívio, o ritmo da respiração, a postura corporal, os estados mentais e emocionais, e muito mais. É um abrangente conjunto de recomendações para criar uma vida que seja pacífica e centrada, e por isso, capaz de executar a prática da tranquilidade e do insight. Ao rever estas 25 práticas preparatórias, ninguém poderá ser culpado por achar que pouquíssimas pessoas conseguiriam ter sucesso total neste tipo de prática. Isto por si só expõe a enorme lacuna entre a tendência, muitas vezes passageira, da meditação no mundo atual e o grande cuidado e seriedade com que a prática foi abordada pelos praticantes do calibre de T’ien-t’ai.
Uma vez tomadas as devidas providências, o praticante poderia então começar a observar a natureza da própria mente. A julgar pelos dez tipos de estados mentais que estão listados no ‘Grande Concentração e Insight’, parece que a ideia de T’ien-t’ai era que deveríamos “começar onde estamos” com nossa prática de parar e olhar a mente. Cada um dos estados que ele relaciona são estados mentais que qualquer um de nós consegue facilmente identificar dentro de si mesmo, de tempos em tempos. Tais estados mentais vão desde os desejos naturais do corpo físico a arrogância, as várias formas de ganância e apego, inclusive apegos aos feitos espirituais que levam a autossatisfação e complacência. T’ien-t’ai ensinou que, ao observar esses estados da mente, é possível transcendê-los e perceber a natureza da própria mente – os três mil mundos num único pensamento momentâneo. Ao realizar este insight, o praticante teria então atingido o Estado Búdico.
Na época de Nichiren, uma pessoa comum, mesmo um monge mediano, não estimava suas capacidades e circunstâncias tanto quanto fazem muitas das pessoas que estudam meditação e, frequentemente, participam de workshops ou retiros atualmente. As pessoas da época de Nichiren acreditavam que a Última Era do Darma tinha começado, portanto, aqueles que tiveram as raízes cármicas para praticar com sucesso os rigorosos requisitos da meditação da tranquilidade e do insight, não estavam mais nascendo em um mundo tão corrupto e tão distante da época do Buda. Nichiren, no entanto, percebeu que a questão do budismo não era cumprir uma lista rigorosa de requisitos, preparações e pré-requisitos. Todas estas questões foram originariamente direcionadas para uma única questão – a percepção dos três mil mundos num único pensamento momentâneo, que especificamente, significava que o Estado Búdico é uma realidade sempre presente aqui e agora. Nichiren ensinou que ter essa percepção ainda era possível através da fé no Sutra de Lótus. Na Última Era do Darma, quando as pessoas não conseguiam mais identificá-lo dentro de si mesmos para buscá-lo em suas mentes, elas podiam deparar-se com o Buda diretamente sustentando o Sutra de Lótus e recitando “Namu Myoho Renge Kyo”. A prática de recitar o Odaimoku com fé e contentamento para receber os méritos das práticas e da iluminação de Buda, e a grande joia dos três mil mundos num único pensamento momentâneo incorporados nos cinco caracteres de “Myo Ho Ren Ge Kyo”, se tornaria a prática de tranquilidade e insight ideal para essa era.
Acredito ser interessante, portanto, que Nichiren não tenha simplesmente posto de lado o “Grande Concentração e Insight” de T’ien-t’ai. Por que ele continuaria palestrando sobre isso? Que relevância poderia haver se a prática meditativa da tranquilidade e do insight fosse substituída pela recitação do Odaimoku? Lamentavelmente não temos registros confiáveis destas palestras. Pessoalmente, quando passo os olhos nas 25 práticas preparatórias listadas por T’ien-t”ai, me ocorre que quase todas elas podem ser vistas agora como recomendações úteis para se viver uma vida feliz, saudável e pacífica. Do ponto de vista de um Budista Nichiren, me parece que tais recomendações não deveriam ser vistas como pré-requisitos ou requisitos obrigatórios para praticar o budismo. Em vez disso, elas podem ser vistas como uma forma de orientação que nos ajudará aprofundar nossa fé e a prática do Odaimoku. As recomendações também podem ser vistas como os benefícios ou frutos da nossa prática, na medida em que a entoação do Odaimoku deverá nos capacitar a priorizar um tipo de estilo de vida caracterizado pela boa saúde física e mental, ambientes pacíficos e bons e sábios amigos, apenas para mencionar alguns dos 25 itens.
Pode-se também contemplar os dez estados da mente que T’ien-t’ai recomendou observar na meditação da tranquilidade e do insight. Isto porque é útil ficar ciente desses estados da mente, pois qualquer um deles pode, e sem dúvida, aparecerá durante a recitação do Odaimoku. Ao invés de ceder ou tentar negar ou reprimi-los, nós devemos simplesmente estar ciente deles e mantê-los sob a luz do Odaimoku. Estes estados de ganância, apego e miopia surgirão durante nossa prática. Estejam eles presentes ou não, o importante a fazer é continuar centralizando nossa mente e nosso coração no Odaimoku. No entanto, é ótimo saber que o próprio T’ien-t’ai não encontrou motivo algum para alarme ou desânimo. Em vez disso, ele compreendeu estes estados como as coisas que deveriam ser examinadas sob a luz da meditação da tranquilidade e do insight. Como Budistas Nichiren, devemos encarar essas questões como estados da mente, que podemos iluminar e transformar através da nossa prática do Odaimoku. Costuma-se dizer que quanto mais profunda a lama, maior a flor de lótus que nela cresce. Neste caso, quanto mais profundo nosso Odaimoku puder penetrar os vários mecanismos da nossa mente, maior será o despertar que surge dessa prática.
*Insight é um substantivo com origem no idioma inglês e que significa compreensão súbita de algo ou determinada situação. Também está relacionado a discernimento, epifania, momento único de esclarecimento (fonte www.significados.com.br)
(*) Texto publicado no Nichiren Shu News em junho de 2004 e traduzido pela equipe de traduções da Nichiren Shu Brasil em agosto de 2019.
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Yúri Reis says:
04/09/2019 at 8:11 pm -
Namu Myoho Renge Kyo é Minha Prática Meditativa !
Com ela elimino todos os pensamentos negativos !
Gasshô __/\__