Tientai Zhiyi, via Guanding, Mohezhiguan.
Isso é a Concentração-Discernimento [zhiguan 止観, a tradução chinesa padrão para o termo meditação budista samatha-vipassana] da mente para essa prática: sente ereto e concentradamente, eliminando qualquer sensação incômoda, abandonando quaisquer ideias rebeldes. Sem pensar sobre nada mais, mas também sem se agarrar em quaisquer formas e aparências, somente concentre sua mente exclusivamente no Campo Total de Todos os Fenômenos¹, deixando cada momento de experiência ser inteiramente idêntico ao Campo Total de Todos os Fenômenos (xiyuan fajie, yinian fajie 繫緣法界,一念法界). Focando a mente nisso é a Concentração; deixando cada momento da experiência ser inteiramente idêntico a isso é o Discernimento.
Acredite que todos os fenômenos sem exceção são aspectos da Budicidade. Dessa maneira, um não pode ser anterior ou subsequente ao outro, desde que não existe mais nenhum limite genuíno entre eles. Portanto não pode existir separadamente um conhecedor ou narrador deles. Mas, nesse caso, nada pode ser definitivamente descrito ou conhecido sobre eles. Consequentemente eles definitivamente não podem existir ou não-existir, não pode ser um conhecedor ou não-conhecedor, não pode sobre esse assunto ser conhecido ou desconhecido. Livre de qualquer dualidade desses extremos, eles habitam somente em sua não habitação, exclusivamente lugar algum ou em coisa alguma, como os Budas habitam em seu seguro e pacífico Nirvana, a extinção quiescente que é isso mesmo também o Campo Total de Todos os Fenômenos.
Não fique alarmado quando aprender esse profundo ensinamento: O Campo Total de Todos os Fenômenos é chamado Despertar, mas é chamado também de Reino Além da Concepção. Isso é chamado de Sabedoria Libertadora, mas também é chamado de Não-nascido e Não-destruído. Da mesma forma, cada e todos os fenômenos são eles mesmos nada além do Campo Total de Todos os Fenômenos, sem dualidade e sem separação. Não fica alarmado em aprender essa não-dualidade e não-separação.
Ser capaz de contemplar dessa maneira é contemplar [o verdadeiro significado dos] Dez Epítetos do Tathagata [i.e., o Buda]². Nessa contemplação do Tathagata, não considere o Tathagata como o Tathagata. Não existe um Tathagata definido disponível em lugar algum para ser o Tathagata, nem existe qualquer sabedoria-Tathagata definida com a qual ele possa se autoconhecer, pois entre o Tathagata e sua sabedoria não existe atributos de dualidade, de movimento, de início. Ele não são nem o espaço ou a falta em algum lugar de espaço; nem o passado-presente-futuro ou a falta de passado-presente-futuro, nem o dual ou o não-dual, nem o contaminado ou o puro.
Essa contemplação do Tathagata é a mais rara, como o espaço ele mesmo nunca dando errado. Continue desenvolvendo sua concentração sobre isso, vendo as belas características do Buda em frente de você assim como você estivesse olhando para seu próprio reflexo na água parada. Primeiro veja isso como um Buda, então como todos os Budas das dez direções. Nenhum poder milagroso precisa te levar longe para ver esses Budas: você os vê e escuta eles pregando o Dharma no local exato aonde você está. Entendendo o real sentido da frase “como as coisas realmente são” você pode, pelo benefício de todos os seres sencientes, ver o Tathagata, mas sem se segurar à ideia do “Tathagata” como uma coisa definida. Você transforma as vidas de todos os seres sencientes e os move em direção ao Nirvana, mas sem se segurar à deia de “Nirvana” como uma coisa definida. Você se embeleza em benefício de todos os seres sencientes, mas vê “beleza” como não sendo uma coisa definida.
É realmente muito notável: não tendo forma ou atributo definido, e então não vendo ou ouvindo ou sabendo, [o Campo Total de Todos os Fenômenos] admite o não entendimento, mesmo por um Buda. Qual é a razão? É porque o Buda mesmo é precisamente o Campo Total de Todos os Fenômenos. Dizer que o Campo Total de Todos os Fenômenos possui o entendimento sobre o Campo Total de Todos os Fenômenos seria contencioso e uma fala sem sentido. Ao invés, sem nenhum entendimento ou realização, contemple todos os aspectos de todos os seres sencientes como aspectos da Budicidade, e a extensão do reino dos seres sencientes como a extensão do reino de Buda. A extensão do reino de Buda está além da conceitualização, assim também é a extensão do reino dos seres sencientes. O reino dos seres sencientes habita assim como o espaço habita: por habitar no nada absoluto, por sua total falta de qualquer atributo definido, ele habita na própria sabedoria iluminada.
Desde que não podemos encontrar coisas que sejam mundanas e ilusórias, o que temos que abandoar? Desde que não podemos encontrar coisas que são sábias e puras, o que temos que alcançar? O mesmo é para o samsara, nirvana, impureza ou pureza. Não abandonando, não obtendo, habitando somente na Realidade Última. Dessa maneira, veja cada ser senciente como um Buda verdadeiro que é o Campo Total de Todos os Fenômenos.
Veja desejo, raiva e ignorância e todas as outras paixões aflitivas e incômodas como ações que são sempre já quiescentes, ações vazias de qualquer movimento real, pertencendo nem ao samsara ou ao nirvana. Abandonando tanto as falsas visões quando o Incondicionado, pratique o caminho do Buda, por tal prática que é nem praticar o caminho nem não praticar o caminho. Isso é chamado verdadeiramente habitar em cada uma das paixões aflitivas e incômodas, vendo cada uma delas como sendo o Campo Total de Todos os Fenômenos.
Ao contemplar o karma pesado, nada vai além dos cinco graves pecados de matar um pai, matar uma mãe, matar um arhat, derramar o sangue do Buda ou provocar dissensão na Sangha. Mas, esses cinco graves pecados são precisamente a própria sabedoria, pois não existe uma marca definida de dualidade diferenciando a sabedoria em um lado e os cinco graves pecados do outro. Não há uma entidade separada que os sente, os sabe, os discerne. Os atributos do pecado são precisamente os atributos da Realidade Última, pois ambos estão além da conceitualização e por isso incapazes de serem destruídos, originalmente livres de qualquer natureza original. Todos os karmas e condicionamentos habitam na Realidade Última, nenhuma indo ou vindo, sem causas ou efeitos. Isso é a própria contemplação do karma precisamente como o selo autorizativo do Campo Total de Todos os Fenômenos³. O selo autorizativo do Campo Total de Todos os Fenômenos é tal que os quadro tipos de demônios que nunca podem o destruir ou abusar. E por quê? Porque os próprios demônios são eles mesmos o selo autorizativo do Campo Total de Todos os Fenômenos. Como poderia o selo autorizativo do Campo Total de Todos os Fenômenos destruir o selo autorizativo do Campo Total de Todos os Fenômenos? A mesma ideia pode ser aplicada para cada e todos os fenômenos, como agora deve ser óbvio.
1. Dharmadhatu (fajie 法界). Isso significa de uma só vez a totalidade de todas as experiências de todos os seres e a realidade última, sugerindo ambas.
2. Os dez epítetos são, de acordo com o significado de suas versões chineses convencionais: Tathagata (“aquele que assim veio”), Merecedor de Ofertas (também um nome para Arhats em geral), Possuidor de Conhecimento Onipresente, De Iluminação e Ações Perfeitas, Aquele que Bem Partiu, Conhecedor do Mundo, Inexcedivelmente Meritório, Treinador de Pessoas, Professor de seres celestiais e humanos e Buda.
3. Fajieyin 法界 印. Literalmente, “selo do dharmadhātu”. Em sânscrito, isso seria dharmadhātu-uddāna. Às vezes, um “selo” é usado em contextos budistas para significar uma marca característica, como nos “Três Selos do Dharma” (não-eu, impermanência e sofrimento, por exemplo), que garantem a autenticidade de um pretenso ensinamento – então algo como um “selo de autenticidade”. Também é usado no sentido de um selo protetor, ou um selo carimbado por uma autoridade que garante a proteção dessa autoridade – algo como um passaporte ou uma garantia de que algo é um representante autêntico de algum poder e, portanto, não deve ser mexido sem que esse poder se envolva. Portanto, o termo passa a significar algo como um feitiço protetor no discurso popular. Este significado está evidentemente em jogo aqui na referência à indestrutibilidade. A ideia aqui é que karma e demônios são manifestações genuínas e inalienáveis do Campo Total de Todos os Fenômenos, e são indestrutíveis – embora por uma razão diferente: porque cada um é o todo e o todo não pode destruir o todo.
Extraído do livro: Emptiness and Omnipresence: An Essential Introduction to Tiantai Buddhism (Inglês) por Brook A. Ziporyn
Tradução: Shami Yotatsu Chiamulera
free vector
No Comments to "O Samadhi da Única-Prática"