por Reverendo Kanji Tamura, Universidade Rissho
Os Três Fatores da Existência: SAN-SEKEN (1)
A prática de entoação do Daimoku e as atividades missionárias de Nichiren Shonin estão integradas numa única frase da doutrina das “Três Mil Existências Reais Contidas em Um Pensamento da Seção Essencial do Sutra do Lótus”. A doutrina das “3.000 existências contidas em um pensamento” articulada pelo Grande Mestre T’ien-t’ai é a prática de tentar unificar-se com todas as existências (pela observação cuidadosa da própria mente) e quando esta doutrina é transformada na prática do Daimoku, a partir do conteúdo da seção essencial do Sutra do Lótus, (no qual a salvação eterna pelo Buda Eterno é revelada) é chamada de “doutrina das 3.000 existências reais contidas em um pensamento”. É a prática de conectar a mente ao mundo do Buda Eterno através da Fé. É a prática de mostrar respeito pelo mundo do Buda Original e Eterno visível como o Mais Venerável: Grande Mandala Gohonzon. (Aqui, a visibilidade sinaliza realidade). É para agressivamente executar atividades missionárias nesta sociedade atual visível. É também, o ato de perceber o mundo sereno e invisível do Buda Eterno neste mundo real e visível.
Para entender “a doutrina das 3.000 existências reais contidas em um pensamento” recomendada por Nichiren Shonin, devemos primeiro rever a doutrina T’ien-t’-aí de “Ichinen Sanzen”. “Ichinen: um pensamento” significa mente que muda momento a momento. “Ichinen-Sanzen” significa que nossa mente momentânea comporta absolutamente tudo o que existe. “Sanzen: três mil” simboliza o infinito, não como um número limitado. De qualquer modo, este número de três mil indica os três conceitos categóricos: “a Mútua Posse dos Dez Reinos”, “os Dez Aspectos” e “os Três Fatores da Existência”. Cada um destes conceitos tenta explicar a essência do universo a partir de um ponto de vista diferente.
Desta vez, gostaríamos de entender o que são “os Três Fatores da Existência”. “Os Três Fatores” categorizam todas as existências entre três regiões: a Região dos Seres Vivos, a Região dos Cinco Elementos Constituintes (ou a região do corpo e da mente como a entidade dos seres vivos) e a Região do País e da Terra (ou o ambiente que rodeia os seres vivos). Combinando o conceito dos Três Fatores da Existência com os princípios da Mútua Posse dos Dez Reinos e os Dez Aspectos, é revelado que nosso pensamento momentâneo não está apenas conectado e unido a cada movimento do corpo e da mente de todos os seres vivos, mas também, se espalha por todo o mundo ambiental que nos rodeia.
“A Região dos Seres Vivos” é a categoria na qual cada vida individual é distinguida por nome. Isto é, ser chamado de “Sr. A ou Sra. B”. Do mesmo modo, a categoria é o conjunto de todas aquelas vidas individualistas que podem ser reconhecidas separadamente. Em outras palavras, significa cada ser vivo em nossa vida diária.
Porém, a classificação e a divisão por nomes como “eu, você ou ele” não é tão estável no final das contas. Depois de dez anos, eu realmente existiria? Você ou ele existiria? A existência que penso ser “eu” é anatomicamente um complexo de várias células, carne, pele e ossos. As células são proteínas e cálcio. Assim que suas atividades vitais terminam, estas células se decompõem e desaparecem com o tempo. Desta forma, em certo sentido, esta categoria poderia ser superficial, cientificamente, como a substância da Região dos Seres Vivos que não passa de um complexo de proteínas e assim por diante.
Contudo, do ponto de vista budista, a substância real de “eu, você ou ele” é o corpo e a mente compostos temporariamente pelos assim chamados “os Cinco Elementos Constituintes” (que é a segunda Região ou Fator dos “Três Fatores da Existência). Os “Cinco Elementos Constituintes” consistem em “Material (ou Cor), Recepção, Concepção, Atividade e Percepção”. No budismo, a mente está acima do corpo, então, apenas o elemento “Material (ou Cor)” é sobre o corpo e os outros quatro elementos de Recepção, Concepção, Atividade e Percepção são sobre a mente.
“Material (ou Cor)” indica algo visível, mas não apenas isso. Este elemento inclui amplamente a voz, o odor, o sabor e a sensação táctil. Ou seja, algo que está sendo reconhecido pelos cinco sentidos é “material (ou cor)”. “Recepção” é a função dos sentidos ou a capacidade de sentir algo. Por exemplo, se há um bolo de chocolate, sua cor marrom adentra nossa visão e a função mental que capta a cor naquele momento é a “recepção”. “Concepção” é a função de produzir imagens na mente. Se há um bolo de chocolate, ele reflete, por assim dizer, o tubo de raios catódicos da mente como sua visão (cheiro, som e assim por diante). Visualizar estas imagens é a função da “concepção”. “Atividade” é uma função mental complicada tal como discursar, pensar, desejar ou ter vontade. Diante de um bolo de chocolate, nós o descreveríamos, usando a fala e pensando “isto é chocolate”, passando a desejá-lo. Estas atividades mentais são a “atividade”. “Percepção” é a ampla função geral que junta outros três elementos da concepção e da atividade. A mente é sintetizada por esta função de percepção. Mas, se a Percepção der problema, a mente se torna psicossomática ou esquizofrênica. Por causa da Percepção somos capazes de perceber um bolo de chocolate como normal. Percebendo nossa natureza composta por estas funções mentais, compreendemos agora qual é o ponto central “dos Três Fatores da Existência” que é a “Região dos Cinco Elementos Constituintes”. Se os cinco elementos dos Cinco Elementos Constituintes são temporariamente unidos, torna-se uma vida. Quando estes elementos se dispersam, a vida se esvai. Do mesmo modo, a relação entre os seres vivos e os seus cinco elementos mentais é como os dois lados de uma moeda.
Em seguida, vem “a Região do País e da Terra”. Um certo lugar ou espaço é necessário para algo existir. A Região do País e da Terra indica os ambientes que rodeiam os seres vivos. A natureza, tal como as montanhas e os rios, ou ambientes artificiais, tais como as edificações ou as estradas, são partes desta categoria. Resumindo o conceito de ‘Os Três Fatores da Existência’, podemos dizer que o lugar do espaço onde vivemos é “a Região do País e da Terra” e “a Região dos Cinco Elementos Constituintes” é a substância da nossa existência, “a Região dos Seres Vivos”. Estas três regiões estão sempre associadas umas às outra sem separação.
Os Três Fatores da Existência: SAN-SEKEN (2)
A doutrina de T’ien-t’ai de “Ichinen Sanzen” é a premissa de “Honmmon Ji Ichinen-Sanzen (doutrina das 3.000 existências reais contidas em um pensamento da Seção Essencial do Sutra do Lótus)” revelada posteriormente por Nichiren Shonin. “Ichinen-Sanzen” significa que os mundos inteiros que existem estão completamente inclusos nas nossas mentes transitórias e mudando a cada momento. Seu conteúdo pode ser dividido entre três partes: “jikkai-goku (a mútua posse dos dez reinos), jun-nyoze (os dez aspectos) e san-seken (os três fatores das existências)”.
Estes três fatores das existências são: “cada ser vivo, corpo e mente como a entidade dos seres vivos e o mundo ambiental que rodeia os seres vivos”. Quando estes três fatores se combinam com “a mútua posse dos dez reinos” e “os dez aspectos”, resulta em “ichinen-sanzen” o qual revela que o movimento momentâneo das nossas mentes não está apenas conectado ao movimento do corpo e da mente de todos os seres vivos, mas também permeia todo o mundo ambiental que rodeia nossas existências.
“O mundo ambiental” se refere a todos os ambientes que rodeiam todos os seres vivos, incluindo todos os arredores naturais, tais como as montanhas, os rios e as plantas e estruturas artificias, tais como as edificações e as estradas. Podemos dizer que nossas personalidades ou mentes dependem dos ambientes e quando os ambientes são apropriados, nossas mentes se tornam saudáveis e vice-versa. Entretanto, para uma coisa existir neste mundo, lugar e espaço (mundo ambiental) se fazem necessários. Por exemplo, para segurar um lápis, tem que ter espaço para isso. Sem espaço, o lápis não pode estar ali. E mais, não vivemos sozinhos. Vivemos em função de vários ambientes tais como família, trabalho ou área local. A este respeito, pode-se dizer que ambientes inteiros que sustentam nossas existências são uma parte do nosso corpo integral. Somos influenciados pelos ambientes ao nosso redor e ao mesmo tempo estamos influenciando-os. Nossos ambientes podem ser alterados conforme nossa vontade e as ações derivadas dela. Desta perspectiva, o conceito e ações de “Difusão da Paz por todo o País pelo Estabelecimento do Verdadeiro Dharma (Rissho-Ankoku)” de Nichiren Shonin começa.
“A combinação temporária dos Cinco Elementos do corpo e da mente” é a essência da nossa existência (cada ser vivo) e “o mundo ambiental” é o lugar e espaço onde se localiza nossa inteireza. Estes três fatores não podem ser divididos, porque são interdependentes.
O relato acima é uma breve descrição de Ichinen-sanzen consistindo em “a mútua posse dos Dez Reinos, os Dez Aspectos e os Três Fatores das Existências”.
Seção Teórica e Seção Essencial
O conteúdo do Sutra do Lótus, indicando Ichinen-Sanzen, está dividido em duas metades. A primeira metade é chamada de Seção Teórica (shakumon) e a segunda de Seção Essencial (hommon). A Seção Teórica expõe que todos os seres vivos são salvos do sofrimento pelo ensinamento do Sutra do Lótus. Na Seção Essencial, é revelado que Buda Shakyamuni, que deve salvar todas as vidas como Senhor do Dharma, existe eternamente no Mundo Saha (mundo em que vivemos), nos observando e nos guiando como o ser absoluto. Nichiren Shonin alegou que T’ien-t’ai visava o ichinen-sanzen teórico da Seção Teórica, enquanto ele praticava o ichinen-sanzen verdadeiro da Seção Essencial. Este argumento mostra o desejo de Nichiren de realizar a salvação eterna do Buda Shakyamuni e guiar as pessoas que sofrem no mundo real e turbulento.
De fato, T’ien-t’ai frequentemente focava a Seção Teórica ao interpretar o Sutra do Lótus. Ele enfatizou que a Seção Essencial era bem mais profunda, mas ele realmente se dedicava a Seção Teórica. O núcleo da Seção Teórica é o Capítulo 2: Expedientes. Neste capítulo, “os Dez Aspectos” são revelados como um estado acessível apenas pelos Budas. Pode-se dizer que T’ien-t’ai tentou conquistar o altíssimo estado “dos Dez Aspectos” como também “ichinen-sanzen” pela prática de observação (da própria mente) através de exaustivo autocontrole e treinamento. Em outras palavras, foi uma busca muito sincera para reviver o estado de iluminação alcançado por Buda Shakyamuni, baseado no ensinamento do Sutra do Lótus.
Por outro lado, o coração da Seção Essencial é o Capítulo 16: A Duração da Vida do Buda. Embora a eterna salvação pelo Buda Shakyamuni é pregada neste capítulo, a importância do Sutra do Lótus é enfaticamente igualada a um “medicamento eficaz” reservado para os seres vivos pelo Buda. Este medicamento deve ser a concentração dos ensinamentos de Buda Shakyamuni. O Sutra do Lótus também menciona os “mensageiros” que trazem este “medicamento eficaz” para todos os seres vivos em nome do Buda. Nichiren Shonin considerava o coração do Sutra do Lótus, ichinen-sanzen, como sendo este “medicamento eficaz” concentrado, e reconhecia sua missão de ser um “mensageiro” que deveria providenciar este “medicamento eficaz” para todos os seres vivos. Portanto, ao invés de se engajar numa prática de auto treinamento como fez T’ien-t’ai, Nichiren Shonin se aprofundou no princípio do Capítulo 16 pela salvação de todos os seres vivos e descobriu a essência de Ichinen Sanzen no Título Sagrado do Daimoku: as Cinco Letras Sino-japonesas do Dharma Maravilhoso.
(*) Textos publicados no Nichiren Shu News em fevereiro e abril de 2005 e traduzidos pela equipe de traduções da Nichiren Shu Brasil em agosto de 2019.
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