Rev. Jun-ichi Nakamura

Juji significa viver esta vida, enquanto defendemos os ensinamentos de Buda com firme confiança e fé. Este é a prioridade número um dos cinco tipos de prática para professores do Dharma, ou Goshu Hosshi-gyô. Quando você pratica diariamente, você lê o Kaikô- ge, os versos para abertura do Sutra. Nestes versos há uma frase “Ware ima kenmoshi juji surukoto wo etari’, traduzida para o português como “Agora somos capazes de ver, ouvir, receber e reter este Sutra”. Portanto Juji deve ser um termo familiar à você.

Entretanto, assim como os versos também dizem, “Hyaku sen mango-nimo aitatemtsuru koto katashi” ou “Este Sutra é a mais insuperável até mesmo em milhares de milhões de eras”, nós deveríamos estar conscientes de que não é fácil compreender os ensinamentos de Buda. Mesmo assim o Buda não nos dá seus ensinamentos parcamente. O Buda esforça-se em em nos ensinar todo tempo e em todos os lugares. No entanto nós não estamos conscientes disso e tendemos a ser atraídos por muitas distrações ao nosso redor. No capítulo 16 do Sutra do Lótus “A duração da vida do Tathagata” essa ideia de natureza não-consciente é afirmada pelo Buda “Por causa dos karmas malignos, estas pessoas pecadoras não serão capazes de ouvir os nomes dos Três Tesouros durante asamkhya Kalpas” e para aqueles que têm praticado ele também diz “Para aqueles que acumularem méritos e aqueles que são benévolos e honestos e aqueles que me vêm vivendo aqui explicando o Dharma,… eu digo: ‘É difícil ver um Buda”.

Ilustração de Hiroshige Katsu

Ilustração de Hiroshige Katsu

Embora eu concorde com as palavras de Buda, eu, como um homem comum, às vezes sinto-me em oposição à estas palavras. Isto porque nesta era moderna, quando o mundo todo está inundado com informações verdadeiras e falsas também, é difícil acreditar nas palavras dos outros sem provas concretas, não é? Nós recebemos ligações de telemarketing ou e-mails SPAM todos os dias. Outras pessoas podem nos enganar a qualquer hora. Por conta de minhas dúvidas à respeito das intenções dos outros, eu às vezes me sentia mal quando aproximava-me de Buda em minhas orações. Eu tentava não reclamar sobre os outros, mas nesta vida, na atual sociedade, ser honesto e direito é um comportamento muito difícil de se manter. Eu sei que reclamar dos outros não irá causar nenhuma felicidade.

Àquele tempo um professor me ensinou “Quando escrever o termo ‘reclamação’ em caracteres chineses, o correto deve ser 愚癡 (guchi) ao invés de 愚痴 que é normalmente usado. O caractere 癡 (chi) significa ‘uma dúvida mórbida sobre outros’. O que leva ao entendimento de uma reclamação constante e habitual”. Ele também disse “Nós não duvidamos porque não acreditamos. Nós duvidamos porque queremos encontrar alguma coisa em que acreditar verdadeiramente”. Talvez isso seja verdade.

Por causa deste mundo com tantas decepções as pessoas estão procurando ensinamentos nos quais possamos realmente acreditar e nos apegar. Quando estive refletindo sobre o conselho do meu professor, eu recordei as palavras de Nichiren Shōnin. Depois de sua entrada no Monte Kiyosumi aos 12 anos ele orou ao Bodhisattva Kakûzô “Por favor, me faça o homem mais sábio do Japão”. Ele deixou uma memória de sua juventude “Assim como as pessoas oravam, eu também orava ao Buda Amitaba e recitava seu nome, Namu Amidabutsu, na minha infância. Eu fiz meu voto porque eu duvidava de algo” (Myōhō Bikuni Gohenji).

Nosso fundador, Nichiren Shōnin, teve um desejo, ele lutou, teve uma dúvida e então começou a trilhar seu caminho de encontro à nova fé. Quando eu lembrei da vida do fundador, eu senti que eu havia recebido um grande poder e coragem para viver essa vida. Nichiren Shōnin pensou que ele não poderia se convencer com o Budismo Terra Pura, o qual rejeita este mundo em que vivemos, então ele despertou para o caminho do verdadeiro ensino de Buda. Este pensamento de Nichiren Shōnin é o verdadeiro significado de “aqueles que são honestos e direitos”.

Havia se passado dois anos após a entrada de Nichiren Shōnin no Monte Kiyosumi quando ele mudou seu nome de nascimento de Yakuomaro para Rencho, raspou seus cabelos e entrou para o monastério. Tendo sua cabeça raspada, seu mestre Dozen deve ter pensado “Rencho realmente é um garoto muito sábio. Agora minha vida será mais fácil por eu ter aceitado este discípulo”. Rencho tinha dezesseis anos de idade.

De acordo com as escrituras de Nichiren Shōnin, o Mestre Dozen continuou recitando Nembutsu e orando pelo renascimento na Terra Pura do Êxtase Maior, lugar conhecido por ser um mundo para onde o espírito vai após a morte. Por causa de sua confiança no Nembutsu ele poderia ter causado à Nichiren dúvidas sobre sua fé, mas Nichiren Shōnin tinha grande respeito pelo seu mestre e sempre pensava “Eu quero achar um caminho para salvar meu mestre”. Eu suspeito que deva ter havido uma grande divergência de pensamentos entre Nichiren Shōnin e seu mestre; os entrelaces da tapeçaria da vida criados por eles. Que maravilhosa tapeçaria era aquela. Refletindo sobre este mundo atual nós vemos que as pessoas têm buscado satisfazer desejos materiais, têm acumulado ações negativas e podem dificilmente ouvir a voz de Buda. Além disso, infindáveis lutas sobre pretensões religiosas estão fazendo do futuro deste mundo dos humanos um lugar arriscado. Nós podemos ter dúvidas sobre o mundo atual e se ele está correto embora não possamos nos trancar no terreno das reclamações.

Se, sinceramente, procurarmos um meio de resolver um problema, nós iremos com certeza encontrá-lo. Eu acredito que Ju “receber” em Juji represente este modo positivo de vida.

GLOSSARIO

Hosshi – professor de Dharma ou praticante da Sutra do Lótus deve fazer cinco tipos de práticas; Juji 受持 – Receber e manter o Sutra do Lótus; Doku 読 – Ler o Sutra; Ju 誦 – recitá-lo; Ge 解 – entendê-lo; Setsu 説 – explicá-lo; e Shosha 書写 – copiá-lo. Tendo fé no Sutra do Lótus, estudando o Sutra profundamente, explicando para outras pessoas e copiando-o a mão, nos tornamos capazes de adornar e purificar nossos cinco órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, boca, corpo e mente) com estes méritos. (Sutra do Lótus, capítulo 19, Murano, p. 269). Também no Capítulo 21 do Sutra.

 

Original: http://www.nichiren-shu.org/newsletter/brigdge_news/E-Bridge50_web.pdf

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