por Reverendo Kanji Tamura, Universidade Rissho
A Doutrina de Ichinen-sanzen: Três Mil Existências Num Único Pensamento como descrito no “Maka Shikan” (Grande Concentração e Insight)
A ideia básica de Ichinen-sanzen, que Nichiren Shonin pregou e praticou, está descrita no “Maka Shikan” (Grande Concentração e Insight) escrito pelo Grande Mestre T’ien-t’ai que explica a prática de “kanjin” baseada no Sutra do Lótus.
“Kanjin” é a prática de observar a própria mente e é também chamada “shikan”. A palavra, “shi” significa acalmar e centrar a mente. A palavra, “kan” significa observar a mente pacificada. T’ien-t’ai assegura que esta prática de observar a própria mente é o caminho para se tornar um Buda. Seguindo o exemplo definido por Buda Shakyamuni: meditação, subjugação de males e realização do Estado Budico, T’ient’-aí levou adiante a prática de “shikan” para alcançar a iluminação equivalente à do Buda Shakyamuni.
O estado de iluminação que ele buscava era para perceber como a mente e o corpo de uma pessoa estão unidos a todos os mundos existentes e, na verdade, com o universo inteiro. Esta é a ideia de “Ichinen-sanzen”.
Como a observação da nossa mente nos permite perceber nossa unidade com o universo inteiro? O Avatamsaka Sutra (o Sutra de Guirlanda de Flores) afirma, “Não há discriminação entre a mente, o Buda e os seres vivos” e “A mente é como um pintor hábil, e todas as existências são produtos da mente”.
De acordo com T’ien-t’ai, ao lado do Sutra do Lótus, o Sutra da Guirlanda de Flor contém o que T’ien-t’ai chamava de “Ensinamento Redondo” ou “Ensinamento Perfeito” (o ideograma que ele escolheu significa ambos “redondo” e “perfeito”). O Ensinamento Perfeito é o ensinamento que mostra perfeitamente a intenção do Buda. Baseado nestes sutras, T’ien-t’ai sustenta que quando examinamos nossa própria mente, desenvolvemos o estado de iluminação, o esclarecimento do fato de que toda a existência está unida. Assim, ele recomenda a prática de “shikan” ou “kanjin”.
Como podemos praticar “shikan” ou “kanjin”? Não é assim tão fácil quanto pensamos. Não podemos apenas dizer, “OK, vamos começar”. Devemos começar pelas práticas preparatórias delicadas e complexas chamadas de “as 25 práticas”. São elas: 1. manter firme os preceitos; 2. dispor de alimentação e vestuário adequados; 3. permanecer num ambiente calmo; 4. largar qualquer outra ocupação; 5. associar-se a pessoas boas e sábias; 6. ao 10. eliminar os desejos que surgem da visão, audição, olfato, paladar e toque; 11. ao 15. rejeitar a ganância, raiva, desejo de dormir, inquietação e preocupação e a dúvida; 16. ao 20. ajustar as refeições, o sono, o corpo, a respiração e a mente; 21. cultivar a aspiração para alcançar a iluminação; 22. empenhar-se sempre; 23. contemplar a realização da iluminação; 24. cultivar sabedoria tática e habilidosa; 25. ser resoluto.
Do mesmo modo, as práticas preparatórias exigem que organizemos devidamente nosso ambiente, nos regulemos espiritualmente e fisicamente e nos encorajemos e concentremos nossas mentes.
Depois de passar por estas 25 práticas preparatórias, pode-se iniciar a prática de “shikan” para observar a mente. (No entanto, Nichiren Shonin adverte que, nós, nascidos a mais de 2000 anos depois do Buda Shakyamuni, não temos boas raízes cármicas, e que por isso, acharemos quase impossível cumprir tais condições.)
Aqueles que completam estas 25 práticas preparatórias prosseguem na prática de “shikan”. A prática é chamada “O método da meditação dos dez estados da mente e as dez práticas”. As dez práticas consistem na prática de observar a mente e as outras nove são práticas suplementares.
Os dez estados da mente que devem ser observados são os seguintes: 1. a mente manchada pelo desejo por tais coisas como comida, vestuário, proteção e outras necessidades que surgem a cada momento da vida; 2. o desejo profundo e arraigado que se manifesta como um progresso da prática; 3. a mente doentia; 4. a mente que resulta da boa e da má conduta em vidas anteriores; 5. a mente perversa que prejudica a prática; 6. o apego a estados meditativos; 7. As várias visões errôneas e os mal-entendidos sobre a iluminação; 8. a arrogância; 9. o apego aos Dois Veículos (a mente dos budistas hinayana); 10. o apego ao Veículo do Bodhisattva (o estado da mente daqueles que ainda não alcançaram a iluminação).
Quase todas as mentes são pensamentos que surgem em nossa vida diária a cada momento e são baseadas na nossa ganância e ânsia. Mesmo se a intensidade destes desejos é alta ou baixa, mesmo se estes desejos são conscientes ou inconscientes, instintivos ou intencionais, estes desejos são baseados na ganância. Apetite, desejo sexual, sonolência, perseguir a fama e fome de conhecimento, desejo de autopreservação, desejo político, ambição, gosto e desgosto são todos aspectos da ganância. A prática de “kanjin” defendida por T’ient-ai, baseada no Sutra do Lótus, destina-se a perceber que os três mil mundos ou todas as formas de existência no mundo estão contidas nessa mesma mente, observando a própria mente que é regida por tais desejos ou pela ganância.
O Estado de Ichinen Sanzen
A ideia básica de “ichinen sanzen”, que Nichiren Shonin pregou e praticou, está descrita no “Maka Shikan” (Mo-ho Chih-kuan ou Grande Concentração e Insight) escrito por Chi-i, Grande Mestre T’ien-t’ai.
“Ichinen sanzen” significa “os pensamentos que surgem em nossa mente, momento a momento, em nossa vida diária contém 3.000 mundos. Este símbolo numeral de 3.000 é derivado da multiplicação das categorias conceituais da “possessão mútua dos dez reinos”, “dez aspectos da existência” e “três categorias do reino”. Estes conceitos descrevem o estado das existências.
De fato, “3.000” representa todos os mundos que existem no universo. Portanto, faz-se necessário indicar um número especifico para expressar imensidão, universalidade ou infinidade.
A prática que T’ient-ai defende ser a prática para compreender a mente. T’ient-ai considera que quando se consegue observar claramente que existem três mil mundos na mente, é possível chegar ao estado de iluminação, o esclarecimento que a pessoa está unida a todos os mundos existentes.
Qual tipo de estado seria este “ichinen sanzen”? Nesse estado, a mente está unida com as mentes de todos os seres, integrada com o mundo inteiro. Em outras palavras, todas as existências se tornam uma só. Quando alguém alcança tal estado, liberta-se do ego que o faz se retrair, cuidar dos interesses próprios e, consequentemente, produzir angústia. A mente se liberta de toda servidão e obtém o estado de “não-eu” ou ausência de ego.
Uma vez que se está unido a todas as existências ou desde que todas as existências estão incorporadas em si mesmo, a felicidade dos outros se torna sua felicidade e a tristeza dos outros torna-se sua tristeza. Aqui, a compaixão surge na mente e induz a pessoa a começar a guiar os outros.
O Sutra do Nirvana afirma, “Todos os sofrimentos de todos os seres vivos são os sofrimentos do próprio Buda”. Nós, pessoas comuns, não temos capacidade ampla e mental para compartilhar a felicidade e a tristeza de centenas de milhares de outros seres. Podemos somente compartilhar estes sentimentos com alguns amigos e com nossa própria família. O estado da mente, como está exposto neste sutra, pode ser alcançado pelos budas e bodhisattvas em níveis mais elevados. Também é verdade, no entanto, que somos capazes de nos esforçar para abordar tal estado da mente amplo e compassivo.
Possessão Mútua dos Dez Reinos – I
“Possessão mútua dos dez reinos” significa que cada um dos dez reinos das existências vivas contém as características dos outros nove reinos. Os dez reinos são os reinos do inferno, espíritos famintos, bestas animalescas, demônios asura (titãs), seres humanos, seres celestiais, sravaka (aqueles que ouvem o ensinamento do Buda e alcançam a iluminação), pratyekabuddha (um Buda auto iluminado), boddhisattvas e Budas.
Os reinos do inferno até o dos seres celestiais são chamados de “Seis Regiões”. Os seres vivos nestes reinos transmigram de um para o outro de acordo com o karma ou ações nas suas vidas anteriores. E os reinos dos sravakas até o dos Budas são chamados de os reinos dos “quatro sagrados” que transcendem a transmigração.
O inferno é a pior prisão onde punições mais severas são impostas por causa das ações maléficas cometidas em vidas anteriores. No reino dos espíritos famintos, os espíritos passam fome e sede incessante. No reino das bestas, animais ignorantes são oprimidos pelos desejos. O reino dos demônios asuras (titãs) é o mundo onde os conflitos prevalecem.
O reino dos seres humanos está localizado no meio dos dez reinos. É onde a felicidade e a tristeza se mesclam meio a meio. O reino dos seres celestiais é o mundo “do prazer e da felicidade”. Aqueles que chegam a este reino podem muitas vezes decair nos reinos inferiores. No entanto, quando alguém se depara com o Dharma do Buda e segue os ensinamentos do Buda, se alcança a emancipação gradual do mundo do sofrimento.
Os reinos de sravaka e pratyekabuddha são os reinos do budismo hinayana daqueles que praticam apenas para seu próprio bem, mas não para o bem dos outros. O reino dos bodhisattvas é o reino dos praticantes do budismo mahayana que praticam pela salvação dos outros. O reino dos Budas é o mundo da iluminação que é atingido depois de realizar as práticas do bodhisattva.
Estes dez reinos não existem independentemente. Cada um deles contém as características dos outros nove reinos. Nossas mentes humanas contém as características destes dez reinos, do inferno até o reino dos Budas.
Nichiren Shonin afirma em seu “Kanjin Honzon-sho” (Tratado sobre o Objeto de Contemplação Espiritual): “ficar zangado é estar no reino do inferno, ser gananciado é estar no reino dos espíritos famintos, ignorância é estar no reino das bestas animalescas, ser perverso é estar no reino dos demônios asuras (titãs), ser pacifico é estar no reino dos seres humanos, ficar satisfeito é estar no reino dos seres celestiais, e perceber a transitoriedade da vida é estar no reino de sravaka e pratyekabuddha e compaixão é estar no reino do bodhisattva”.
Desta forma, ele argumenta que o reino dos seres humanos contém os outros nove reinos. Por exemplo, raiva causa guerra e resulta no inferno. O inferno não é invisível. O inferno existe dentro de nós mesmos e emerge diante de nós.
Nosso dever como Budistas Nichiren é permitir que o reino dos Budas emerja no reino dos seres vivos. Nichiren Shonin afirma, “O reino dos Budas dificilmente se manifesta”.
(*) Textos publicados no Nichiren Shu News em junho e agosto de 2004 e traduzidos pela equipe de traduções da Nichiren Shu Brasil em agosto de 2019.
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