Por Reverendo Shinkai Oikawa, Litt. D.
A Essência da Iluminação: Religiões tais como Cristianismo, Islamismo e Judaísmo são denominadas monoteístas porque pregam a existência de um deus criador dos céus e da terra, que domina os seres humanos e decide tudo conforme sua vontade. Portanto, nestas religiões, há somente um Deus cuja existência é absoluta e a quem podemos orar por tudo de bom ou de ruim. Podemos constatar que havia esse tipo de existência absoluta em todos os lugares no passado. Na Índia também se verificou a existência absoluta chamada o Rei do Céu de Brahma, Bon ou Bonten em chinês, que dominou a Índia.
No entanto, Shakyamuni negava a existência de um Deus. Todos os seres humanos dependem de “inga” ou “causa e efeito”. Em nossa linguagem moderna significa dizer que cada ação gera uma causa e um efeito. Falando por mim, eu não fui criado por um deus. O Buda nos ensinou que “a deusa do sol” não nos criou. Fomos feitos por nossos pais, ficamos confinados no ventre de nossa mãe por cerca de nove meses e fomos cuidados pelo amor dos nossos pais.
Assim, os efeitos vêm depois das causas e o mundo é feito de causas e efeitos. Este é um ponto muito importante. Podemos somente conhecer nossos pais ou nossos avós. Mas certamente sabemos que temos muitos ancestrais porque estamos neste mundo. E mais, penso que teremos nossos filhos e netos no futuro.
Supõe-se que Shakyamuni ficou sentado sob a arvore Bodhi pensando assim à noite. Está escrito que ele conseguiu “lembrar” completamente de sua “vida passada”, como ele nasceu e de cada vida sucessiva desde então.
Nós não podemos saber tais coisas. As pessoas da época de Shakyamuni se referiam com frequência a “rinne” ou transmigração. Nascemos e morremos e nascemos e morremos repetidas vezes sem parar. Eles acreditavam que estávamos girando e girando incessantemente em círculos.
Quanto a mim, eu desconheço para onde vou depois da minha morte. De acordo com os processos de transmigração, pode-se dizer, “uma vez que ele está sempre fazendo algo maldoso e sendo barulhento, ele renascerá como um pássaro mainá”. Por outro lado, dizem que pessoas boas renascem em um paraíso celeste onde vivem os deuses sem exceção.
Para dizer a verdade, eu não quero renascer no céu porque é bonito demais para ser tão bom. Não há distinção de sexos por lá. Há mulheres bonitas, mas todas elas parecem ser assexuadas. Portanto, não quero ir para um lugar como este. A clara distinção entre os sexos é algo mais favorável para mim. Assim sendo, eu prefiro renascer no mundo dos seres humanos. O mundo humano é realmente maravilhoso. Eu quero nascer de novo neste mundo. Mas não sabemos se isto será possível ou não.
Eu tenho medo de renascer no mundo dos animais ou demônios famintos, ou pior, no inferno. Não quero ir para o inferno de modo nenhum porque sofreremos muito. As vezes ouvimos sobre ferver num caldeirão. Os criminosos são colocados na água fervente. É estranho que eles estejam vivendo atormentados sem morrer instantaneamente. É muito cruel de qualquer modo.
Agora estou traduzindo “o Sutra do Abhidharma de Sariputra” do Budismo do Sul. Alguns eruditos cometeram erros na antiga tradução do sutra porque eles desconheciam sobre o inferno. Por exemplo, podemos encontrar um “espeto de ferro” no sutra. Para que foi usado o espeto? Foi usado para punição. Uma vez que os eruditos não acharam que o espeto foi usado para punição, eles traduziram como “uma barra de ferro”. Eles descreveram como se um ginasta estivesse pendurado na barra horizontal, dando uma cambalhota. Isto não está correto.
Usado para punição, um criminoso foi empalado no espeto aos poucos. O criminoso deve ter sentido uma dor insuportável. Portanto, eu penso que o inferno é o último lugar para onde quero ir.
Inferno, os mundos dos espíritos famintos, animais, asuras* e homens e céus são chamados de os seis mundos (rokudo). Estes são os seis mundos para onde devemos ir após a morte. Dizemos “renascimento nos seis mundos”. É inevitável que os piores criminosos vão para o inferno.
Enquanto Shakyamuni estava meditando assim, seus sentidos ficaram finamente afiados e ele recebeu o poder de enxergar através do passado das pessoas, que é chamado de “Shukujuchi”. Além disso, diz-se que ele recebeu o poder de enxergar através do futuro das pessoas poucas horas depois à meia-noite, que é chamado “o olho divino”.
Ao amanhecer, Ele recebeu a sabedoria de enxergar através do presente, passado e futuro porque Ele se livrou de todas as impurezas e ficou completamente limpo e purificado. Isto é chamado “a extinção da ilusão”.
Este era o Buda afinal de contas. Apenas a iluminação não faz o Buda. Acredito que ele tinha poderes para enxergar através do coração das coisas. Foi por volta das seis horas da manhã quando ele entendeu que tinha obtido os poderes.
A noite era dividida em três partes nos tempos antigos. Cada parte tinha quatro horas e eram chamadas de a primeira noite, meia-noite e tarde da noite. A primeira noite vai das dezoito até as vinte-duas horas. As quatro horas seguintes compõem a meia-noite. As horas próximas do amanhecer é a tarde da noite. Era tarde da noite quando Shakyamuni se iluminou. Foi quando o dia estava amanhecendo. Ele entendeu que adquiriu o poder ao amanhecer.
Nós interpretamos “iluminação” como entender algo. Mas não é bem assim. Na verdade significa “aquisição perfeita de poder”. O poder está além dos poderes humanos. Não denominamos Buda aqueles que fazem coisas que podem ser feitas facilmente por poderes humanos. Shakyamuni adquiriu um certo poder além dos poderes humanos naquela altura e se tornou o “Buda”. Buda na língua indiana é o particípio passado da palavra que significa “despertar” e quer dizer “desperto” de manhã. Mas, no caso do Buda Shakyamuni significa “ter despertado para a verdade”.
Shakyamuni estava confinado na escuridão. Ele continuou a meditar e praticar asceticismo por seis anos dizendo “Eu não consigo entender”. Ele foi malsucedido no asceticismo em si, mas foi despertado para a verdade, teve seus olhos completamente abertos e se viu banhado na luz. Ele podia ver coisas que não poderiam ser vistas antes num instante sob a arvore Bodhi.
Ele podia enxergar seu passado, futuro e presente. Por exemplo, Ele logo chegou a entender uma prescrição médica. É uma receita que mostra o que é melhor para uma pessoa. O que é melhor para a felicidade de uma pessoa. Ele pôde entender o remédio que ele recebe e quando e como deve entregá-lo à pessoa.
Não é suficiente curar somente a doença. Nós precisamos de muitos tipos de terapia física para nos recuperarmos completamente das doenças e o cuidado médico pode nos restituir integralmente a boa saúde.
Os casos mentais são os mesmos. É uma enorme satisfação para nós que Shakyamuni curou um problema psicológico numa primeira tentativa. No entanto, o problema não foi totalmente curado com facilidade, embora a condição pudesse ser melhorada. Ele ensinou várias pessoas a curar um problema completamente de todas as formas possíveis.
(*) asuras, seres poderosos em guerras eternas e frustradas com os deuses.
A Prática Itinerante de Shakyamuni – Viajando como o Salvador: A Índia é um país muito grande como vocês sabem. As pessoas viajavam a pé na época de Shakyamuni. Elas caminhavam em média uns 10 quilômetros por dia. Esta distância percorrida em um dia é chamada “yojana”. As vezes se levava um mês ou dois caminhando para chegar até um destino localizado a 300 ou 400 km de distância.
Shakyamuni aceitou os cinco ascetas como seus primeiros discípulos no “Parque dos Cervos” em Varanasi (Benares). Mas Ele os proibiu de servi-lo e os liberou dizendo, “Vão rapidamente a todos os lugares na Índia para socorrer pessoas passando necessidades e com problemas conforme lhes instrui para ajudá-las”. Ele também lhes disse que se dispersassem para que fossem à cinco lugares separados. Acho que Shakyamuni decidiu acudir o maior número possível de pessoas quando ele foi convidado pelo Rei do Céu de Brahma para pregar a iluminação que ele alcançou. E Shakyamuni tinha certeza de que Ele podia salvar as pessoas.
Shakyamuni faleceu com oitenta anos de idade. Antes de morrer Ele disse, “Espalhem minhas cinzas por toda a Índia”. E acrescentou, “Muitas pessoas que possam reverenciar minhas cinzas conseguirão ser salvas”. Portanto, distribuam minhas cinzas por muitos lugares onde muitas pessoas possam vê-las”. Em síntese, tudo o que ele desejou era salvar o maior número de pessoas possível. Mais tarde, Rei Asoka construiu 84.000 pagodas para espalhar as cinzas de Shakyamuni por toda a Índia. Shakyamuni não pensava em si mesmo, exceto nas pessoas necessitadas. Os primeiros discípulos dele foram socorrer as pessoas de imediato.
Shakyamuni aceitou muitas pessoas como discípulos desde então. Havia muitos tipos de discípulos, alguns deles queriam ser instruídos por ele com adoração sincera, enquanto outros queriam ser discípulos dele para viver uma vida fácil. As motivações dos discípulos nunca foram simples.
Havia também mulheres que queriam ser suas discipulas, chamadas “bhiksuni” (em sânscrito), monjas budistas. A princípio, Shakyamuni recusou aceitar discipulas femininas porque os monges tendiam a se distrair com a presença de monjas. Para evitar problemas o Buda disse para as mulheres, “Por favor não se juntem a nós”.
Por fim, Mahaprajapati, a mãe adotiva de Buda, pediu-lhe para ser sua discipula. Ele recusou o pedido dela por três vezes em vão e a aceitou como discipula. Então ela se tornou a primeira monja budista.
Quando Shakyamuni alcançou a iluminação, já existia muitos outros aprendizes e grandes mestres que tinham entre 500 ou 1000 discípulos. Shakyamuni ocasionalmente ousou conversar com eles e aceitou de uma só vez umas 1.500 pessoas como discipulas. Ele ocasionalmente fazia coisas tão decisivas como esta.
Eu não entendo por que Shakyamuni foi a cerimônia de casamento de Ananda, seu irmão mais novo ou filho do Rei Suddhodana e Mahaprajapati, e o forçou a se tornar um monge contra sua vontade. Eu não consigo entender por que ele fez algo tão horrível. Ele tirou Ananda da cerimônia de casamento e o forçou a se tornar um monge.
Ananda estava infeliz e inquieto dia e noite porque ele era recém-casado e não podia esquecer sua bonita e nova esposa. Ele não conseguia se concentrar nas práticas ascéticas sob tais condições. Então Shakyamuni lhe disse, “Ananda você está pálido e inquieto. Esforce-se na prática do asceticismo”. Ananda não conseguia ouvi-lo porque ele se tornou monge contra sua vontade. Foi então que Buda lhe mostrou um poder divino.
“Veja, esta mulher é bonita, não é?” perguntou Shakyamuni. “Sim, ela é quase tão bonita quanto minha esposa”, respondeu Ananda. Você acha mesmo? Ótimo. As mulheres são bonitas, não são? Sim, eu concordo”. De repente, Shakyamuni transformou a mulher numa idosa pelo seu poder sobrenatural. Ele perguntou, “O que você acha desta mulher? Sim, ela ficou um pouco mais velha. A mesma mulher, não é? E desta vez Ele a tornou muito mais velha. Ela está bem mais velha, não está? Em seguida, Ele intencionalmente tornou a mulher extremamente mais velha, acabada, com cabelos brancos, desdentada e de costas curvada. Shakyamuni estava pregando seus ensinamentos deste modo, mostrando realmente que até mesmo uma jovem mulher não conseguiria escapar desta realidade.
Ananda ficou constrangido. Mas Shakyamuni prosseguiu. Esta mulher morreu, foi largada no cemitério. “O que você acha? Oh, ela estava morta”. Ele mostrou que ela tinha apodrecido, foi esmagada e só restava um esqueleto. Ele mostrou que as pessoas eram todas assim. Ananda não ficou satisfeito, mas ele não podia deixar de dizer, “Eu entendo”. Ele tinha a dizer, “As pessoas são como você me mostrou, não são? Eu vou concordar com você. Portanto, vou desapegar da minha esposa”.
Embora Shakyamuni rompeu completamente todas as relações com seus pais, sua esposa e seu filho. Eu não posso romper meus vínculos de família. Os vínculos são tão fortes que não consigo escapar deles. Shakyamuni foi um príncipe ou um sucessor do trono do país. Ele já tinha abandonando todas as coisas incluindo seu país, sua família e seus súditos embora ele fosse a grande esperança do rei e das famílias reais. Pode-se dizer que Ele tornou seus súditos infelizes de certo modo. No entanto, eu acho que Ele salvou todas estas pessoas no final. Diz-se que todos os líderes religiosos podem ter tal natureza. Mas devo confessar que não posso fazer as mesmas coisas que Shakyamuni.
Libertação ou Emancipação: Todo mundo quer ser feliz. O que é a felicidade, então? Shakyamuni continuou a pensar sinceramente na felicidade por seis anos do seu asceticismo praticado. Ele também pensou nisso o máximo que ele pôde sob a arvore Bodhi. Ele contemplou a estrutura dos seres humanos ou corpos humanos e a estrutura da mente humana e foi finalmente libertado da existência mundana. Ele foi emancipado e ficou livre.
Do que então Shakyamuni foi emancipado? A princípio, Ele foi emancipado dos “vínculos”. Ele já tinha abandonado sua família e formalmente rompido os vínculos com seus pais, esposa e filho. Porém, acho que ele não conseguia deixar de estar fortemente ligado a eles. É extremamente difícil cortar o apego à nossa família. Ele cortou tais relações e ficou livre. Em segundo lugar, Ele abandonou todos os tipos de desejos e esperanças, desejos tais como ganhar dinheiro, comer comidas apetitosas, administrar algum negócio e ter um final de vida o mais seguro possível sem doenças.
Diz-se que Ele abandonou e se sentiu livre do desejo de existir. Acho que ele se descobriu desenvolvendo poderes sobrenaturais para enxergar todas as coisas tais como o passado, presente e futuro humano.
Tenho lido livros escritos há cerca de 1.500 anos atrás. Eu encontrei muitas coisas estranhas escritas neles tais como voar no céu, deslizar no chão e ficar no mar por um longo tempo.
Não conseguimos entender estes contos. Mas uma pessoa com capacidades reais de entender os seres humanos pode saber algo de como eles viveram no passado e como vivem agora e como viverão no futuro. Há médiuns no mundo, não há? Eles podem entender coisas usando um tipo de telepatia ou uma onda de rádio. Shakyamuni penetrou numa egrégora como esta. Ele podia fazer isso porque Ele abandonou a si mesmo absolutamente ou o desejo pela existência.
Hoje falei sobre as partes mais difíceis e inexprimíveis do budismo que se chamam de iluminação espiritual. Shakyamuni obteve um poder maravilhoso. Então, ele foi constantemente respeitado na Índia por 45 anos, acudindo as pessoas em todos os lugares.
O budismo não é uma religião na qual um certo deus faz de tudo. Shakyamuni é um tipo de médico que dava o tratamento apropriado para as pessoas em muitos lugares. Portanto, Ele é chamado de um bom médico e seus ensinamentos de bons remédios. O ponto importante no budismo não é que dependemos de um ser absoluto, mas que devemos agir de acordo com a verdade que tudo consiste em causa e efeito. Então, se vocês se empenharem, uma questão ruim pode ser alterada para uma boa. A relação de confiança entre pacientes e médicos responsáveis é importante. A relação de confiança entre budistas devotados e Shakyamuni é também muito importante. Entretanto, a prescrição de Shakyamuni nos fala somente da lei de causação.
(*) Artigos publicados no Nichiren Shu News em dezembro de 2008, fevereiro e abril de 2009 e traduzidos pela equipe de tradução da Nichiren Shu Brasil em julho de 2019.
free vector
No Comments to "A Vida de Buda Shakyamuni – Parte IV"