A Vida do Buda Shakyamuni
(por Rev. Ryuei Michael McCormick)
Parte 1 – O MUNDO VÉDICO
2500 anos atrás aos pés da montanha do Himalaya, um príncipe nasceu para reuniar todo o luxo e prestígio por compaixão a todos os seres e para se tornar o “mestre dos deuses e dos homens”. Este jovem príncipe viria a ser conhecido como “Aquele que Despertou”, ou o Buda. Ele deu a si próprio este título porque ele se acordou de um sono de ilusão, um sonho do perpétuo nascimento e morte.
Depois de 2500 anos o Buda ainda é respeitado por mais de 300 milhões de pessoas como a maior figura espiritual de nosso tempo. Mesmo aqueles que não seguem o caminho do Buda, considera o Buda e seus ensinamentos com grande respeito e reverência. Muitos ocidentais cristãos tem até mesmo descoberto uma nova vida por sua fé no conhecimento do Budismo. Notavelmente, na Índia há atualmente um retorno do budismo, por aqueles que foram marginalizados pelo sistema de castas voltando-se para a libertação social e espiritual ensinados pelo budismo. Talvez ainda mais notável seja o fato de que eles estão sendo ajudados pelo budismo inglês, cujo país (Inglaterra) apenas acabou de descobrir os ensinamentos de Buda. Budismo tem também inspirado muitos de seus seguidores por todo mundo a se tornarem envolvidos em movimentos pela paz, além de outras causas sociais. Após 2500 anos, budismo é ainda uma religião viva, e um forte recursos de esperança espiritual e força. À luz destes fatos, a história da vida do Buda e suas realizações é algo de que todos deveriam se familiarizar.
A estória inicia em um período de grande transição por toda a civilização no mundo. Em seu livro, Uma História de Deus (A History of God), Karen Armstrong coloca a cena deste importante período da história mundial:
“O período de 800-200 a.C. foi denominado de Era Axial. En todas as principais regiões do mundo civilizado, as pessoas criaram novas ideologias que tem continuado como cruciais e formativas. Os novos sistemas religiosos refletem a mudança econômica e condições sociais. Por razões que não entendemos completamente, todas as principais civilizações desenvolveram paralelamente, ainda que não houvesse nenhum contato, nem mesmo comercial (como entre a China e a região Europeia). Houve uma nova prosperidade que liderou o advento de uma classe mercante. O poder se deslocou de reis e sacerdotes, palácios e templos, para o mercado, comércio. A nova riqueza levou ao florescimento intelectual e cultural, além de também o desenvolvimento de uma consciência individual. A desigualdade e exploração tornaram-se mais evidentes com o ritmo acelerado de mudanças nas cidades, e as pessoas começaram a perceber que seus comportamentos poderiam afetar o destino de gerações futuras. Cada região desenvolveu uma ideologia distinta para resolver estes problemas e preocupações: Taoísmo e Confucionismo na China, Hinduísmo e Budismo na Índia e o racionalismo filosófico na Europa. O Oriente Médio não produziu uma solução uniforme, mas no Irã e em Israel, Zoroastro e os profetas hebreus, respectivamente, evoluíram diferentes versões de monoteísmo.” (A História de Deus, p.27)
A religião estabelecida na Índia antes da era Axial foi a religião Védica do povo ariano (baseada nos Vedas ou escrituras que contém hinos e rituais aos deuses). Karen Armstrong ainda nos diz:
“No século XVII a.C, o povo ariano, vindo de onde hoje chamamos Irã, invadiram o vale dos Indus e subjugaram a população indígena. Eles impuseram suas ideias religiosas, que encontramos expressas em uma coleção de odes, conhecida como o Rig-Veda. Lá encontramos uma multiplicidade de deuses, expressando muitos dos mesmos valores que as divindades do Oriente Médio, e apresentando as forças da natureza como instinto de poder, vida e personalidade.” (idem, pg. 28)
A proposta original dos Vedas era fazer possível às pessoas estarem em comunhão com o poder divino do universo e suas representações. Esta intenção é completamente expressada no Mantra Gayatri, um dos mais famosos versos no Rig Veda, que pode ser traduzido como: “Deixe-nos trazer nossas mentes ao descanso, a glória da Divina Verdade. Que a Verdade inspire nosso reflexo.” (Hinos do Rig Veda, p.4) Eventualmente, entretanto, os Vedas era utilizados para manipular os deuses. Acreditava-se que os deuses podiam ser abordados, apaziguados e até mesmo controlados por meio da performance dos hinos adequados e sacrifícios de modo a se ganhar boa sorte e evitar desastres.
Os Vedas também sacramentou a ordem social imposta pelos conquistadores arianos. De acordo com o Rig Veda, quando os deuses sacrificaram o homem cósmico primordial, suas partes se tornaram as quatro classes da sociedade Veda.
Quando eles dividiram o Homem, a Pessoa,
Como suas partes foram distribuídas?
O que se tornou Sua boca e braços?
Do que chamaram suas coxas e pés?
Sua boca era o Homem da Palavra,
Em Principe Seus braços foram feitos.
Enquanto suas coxas produziram as Pessoas,
De seus pés nasceu o Servente.
(idem, pg. 56-58)
O “Homem da Palavra” refere-se aos Bramaneses, os sacerdotes que foram autorizados a recitar os hinos, conduzir os sacrifícios, encorajar virtudes e ensinar a religião Védica. O “Príncipe” se refere aos Xátrias, os guerreiros e governantes que foram responsáveis por preservar a paz. As “Pessoas” se referem aos Vaixiás, que eram comerciantes e agricultores, responsáveis pela economia. Finalmente, o “Servente” se refere aos Shudras, servos e trabalhadores. Em teoria, estas quatro classes são uma tentativa de organizar a sociedade de acordo com as inclinações do indivíduo. Cada pessoa deveria tomar uma destas quatro regras de acordo com seu talento e desejos. Na realidade, a hereditariedade era o que veio a decidir em que classe cada pessoa pertencia, e naturalmente os arianos pertenciam às três primeiras classes, enquanto a população indígena conquistada tornou-se os Shudras, ou até mesmo sem qualquer classe, casta.
No tempo do Buda, muitas pessoas começaram a questionar este sistema. Eles queriam algo mais do que rituais, sacrifícios, e a autoridade vazia de um sacerdócio hereditário. A fim de satisfazer seus anseios espirituais, eles se retiravam para as florestas em seus últimos anos, e procuraram por sábios que pudessem ajudá-los. Um novo paradigma de quatro estágios da vida resultou disto, um paradigma institucionalizado na época do Buda. Na juventude, a religião dos Vedas seria estudada sob orientação dos brâmanes. Em seguida, o jovem homem se tornaria um chefe de família, que significava ter uma família e cumprir aqueles deveres sociais. Este estágio era seguido da meia idade ou velhice, em que havia o retiro para a floresta; como um morador da floresta, podiam meditar e refletir sobre o significado espiritual da vida. A fase final era a vida de um mendigo errante, neste estágio, renunciavam o mundo para atingir a liberdade espiritual. Os conhecimentos produzidos por tais atividades foram registrados no Upanichades, e de muitas maneiras eles trouxeram uma nova dimensão para a religião Védica dos brâmanes.
Muitos novos temas surgiram pela primeira vez no Upanichade, incluindo o conceito de renascimento e o Atman. Os Upanichades ensinaram que até que uma pessoa pare de identificar o Eu com meros fenômenos aparentes e desperte para o verdadeiro Eu chamado Atman que é idêntico com a Última Realidade conhecida como Brahma, o indivíduo será forçado a submeter-se repetidamente ao ciclo de nascimento e morte. Além disso, os Upanichades ensinaram a doutrina do karma. Karmas implicam no que chamamos de “ação”, mas se refere à cadeia de causa e efeito colocada em movimento por nossas ações; de acordo com a doutrina do karma, todos devem enfrentar as consequências de suas próprias ações boas ou mais em cada subsequente vida. Este ensinamento teve grande importância e seria futuramente desenvolvido pelo Buda de uma maneira radicalmente nova. No tempo do Buda, entretanto, muitas pessoas se tornaram bastante preocupadas consigo mesmas, resultando em apatia sobre os problemas sociais gerados pelos movimentos ocorridos na Era Axial, e um mal entendido da premissa que o Verdadeiro Eu ou Atman era a chave para a felicidade suprema.
A época do Buda então, foi uma época de drásticas mudanças e grandes desafios. As tradições religiosas do passado não estavam mais em contato com as necessidades das pessoas, e os sábios das florestas e seus seguidores estavam procurando por novas respostas. Sua terra natal era a humilde cidade de Kapilavatsu, o centro de um pequeno reino tribal governado pelo clã Shakya, localizado no que hoje é o sul do Nepal. Acredita-se que estes governantes compartilharam poder com uma assembléia conhecida como a Sangha, uma semi-democrática instituição em que o Buda iria fundar sua ordem monástica. Ao fim da vida do Buda este pequeno reino seria engolido pelo estado vizinho de Kosala, que seria por sua vez engolido pelo reino de Maghada para o sul. O Buda era filho do rei Suddhodana e a rainha Maya, os governantes de Kapilavatsu. Seu nome de família era Gautama, e o nome que recebeu foi Siddhartha. Como um membro da casta Kshatriya, o jovem príncipe Siddharta recebeu a melhor educação que poderia ter tido naquela parte da antiga Índia. Quando já um jovem homem, ele aprendeu antigas artes maciais indianas, astronomia, matemática, medicina, literatura, e a religião dos brâmanes. Em suma, o príncipe Siddharta cresceu com todos os privilégios e vantagens de sua casta em um pequeno reino prestes a ser arrastado pelas correntes inexoráveis da história.
Parte 2 – O NASCIMENTO
Desde o início da vida do Buda somos confrontados com o estranho e o milagroso. Muito disso é devido aos acréscimos de seus devotos; entretanto, acredito que alguns destes elementos fantásticos foram projetados para ensinar e inspirar tanto quanto para embelezar. Muitos deuses, por exemplos, surgem na história do Buda. Talvez o aparecimento desses deuses e espíritos devem servir para nos lembrar que há muitas forças internas no trabalho dentro do inconsciente da mente. Estas forças podem ainda nos ajudar ou nos atrapalhar. Memórias do passado, boas e más associações, preconceitos estabelecidos, hábitos ou predisposições – tudo isso pode servir para escurecer a nossa visão ou amortecer as nossas aspirações. Por outro lado, também temos a capacidade de discernimento. De alguma forma, nosso inconsciente consegue encaixar todo o quebra-cabeça, ou encontra o elemento crucial, ou surge com uma nova abordagem para um dilema. Pode até haver seres espirituais neste trabalho também. Em “As Variedades das Experiências Religiosas˜, William James aponta que se de fato existem forças espirituais trabalhando em nossa vida, então será apenas através de tais fenômenos do inconsciente que eles irão surgir e serem sentidos.
“Mas, assim como a nossa livre e acordada consciência abre nossos sentidos para o toque de coisas materiais, então é possivelmente lógico que se existe forças espirituais que podem nos tocar diretamente, as condições psicológicas de suas forças podem ser uma região inconsciente que sozinha deve estar dando acesso a eles.” (p.198)
Além disso, eventos exteriores e oportunidades parecem ter uma maneira estranha de corresponder às necessidade de nossa vida interior, provendo-nos com catalisadores necessários para facilitar nossa crescimento como seres humanos. C.G. Jung chamou estas coincidências significativas de “sincronicidade”. Seja qual for o nome ou explicação para estas forças internas e externas, elas são um fato na vida de muitas pessoas, especialmente aquelas que são percepitivas ou sensíveis o bastante para perceber isto. O papel dos deuses e outros fenômenos sobrenaturais na vida do Buda é para nos lembrar que há mais para trabalhar em nossa vida que apenas as nossas decisões conscientes e aparente aleatoriedade dos eventos externos. Em um nível mais literal, eles também servem para sublinhar o forte impacto dos acontecimentos da vida do Buda Shakyamuni e daqueles que conheciam ele e colocaram sua confiança nele. Eles servem para aumentar o efeito dramático do que é basicamente a história de uma luta interior.
De acordo com os ensinamentos de causalidade, tem sido ensinado que Shakyamuni teve muitas existências anteriores. Em cada uma delas ele aperfeiçoou as várias virtudes que viriam a ser concretizadas no futuro como o estado de Buda. Na primeira destas histórias, Shakyamuni é um brâmane rico chamado Sumedha que deixa a sua cidade para se tornar um eremita, a fim de encontrar uma resposta para as dores inevitáveis da vida. Um dia, ao visitar uma outra cidade, ele tem a boa sorte de conhecer Dipamkara, o Buda daquela época. Ele estava tão satisfeito co o encontro que fez um juramento em se tornar ele mesmo um Buda. Dipamkara então prediz a iluminação de Sumedha em uma existência futura. Após seu último renascimento terrestre e antes de sua vida como Shakyamuni, o futuro Buda viveu no Céu do Contentamento (em sânscrito Tushita) aguardando o momento certo, lugar e família para seu renascimento final. Apesar de tudo isso parecer fantasioso, isto mostra a convicção budista que todas as coisas são resultados de causas e condições adequadas. Mesmo que a grandeza de Shakyamuni como um Buda fosse o resultado de um gênio nascido de prévios esforços e sua interação com as circunstâncias peculiares em que ele nasceu.
Quando as condições adequadas surgiram, a rainha Maya de Kapilavastu teve um sonho extraordinário. Ela sonhou que um elefante branco de seis chifres segurando uma flor de lótus branca em seu tronco circulou em torno dela três vezes e, em seguida, entrou em seu ventre. Naquele momento, a rainha Maya concebeu o novo Buda. Ela daria à luz a ele sem nenhuma dor, enquanto ainda de pé e segurando um galho de árvore Sal ao visitar o Jardim de Lumbini, perto de Kapilavatsu. A lenda diz que imediatamente ao entrar no mundo, o bebe príncipe Siddharta deu sete passos e fez as seguintes declarações:
“Nasci para a iluminação, para o bem do mundo; este é meu último nascimento no mundo dos fenômenos”. (Asvaghosa’s Buddhacarita, part II, p.4)
No quinto dia após o seu nascimento, o príncipe bebê foi apresentado aos brâmanes para sua unção e escolha de seu nome, conforme o costume. Ao ver o bebê e examiná-lo, os brâmanes declararam que ele iria certamente torna-se o fundador de um império ou um Buda, um desperto. O Rei Suddhodana era um rei justo e piedoso, mas o sucesso mundano ainda era muito mais real para ele que um despertar espiritual. O rei Suddhodana, portanto, manifestou a esperança de que seu filho pudesse escolher o caminho secular, e que talvez mais tarde retiraria-se para a floresta, no momento apropriado – depois que seu sucesso no mundo fosse realizado. Tendo em vista as previsões dos brâmanes, o bebê recebeu o nome de Siddhartha, que significa: “Aquele que conseguiu seu objetivo”.
Também naquele tempo, no templo dos brâmanes, estava o muito respeitado sábio e vidente conhecido como Asita. Quando ele viu o bebê ele começou a chorar, provocando então um grande medo no coração dos pais de Siddhartha. Eles perguntaram-lhe se havia qualquer motivo a temer por seu filho, e Asita lhes disse que ele chorou porque seu filho, certamente tornaria-se um Buda, mas que ele já era muito velho e não viveria para ouvir os ensinamentos do Buda.
Dois dias após estes eventos, a rainha Maya viria a morrer de uma doença fatal. A partir deste momento, Mahaprajapati, irmã da rainha Maya, viria a ser a nova mãe do príncipe. Pode-se supor que a morte de sua mãe verdadeira tinha a ver com a sensibilidade do jovem príncipe par ao problema do nascimento e da morte.
Parte 3 – A VIDA NO PALÁCIO
O Jovem príncipe Siddharta cresceu recebendo todos os privilégios e vantagens de seu posto. O Rei Suddhodana tinha três palácios construídos para ele, além de belas cortesãs e professores brilhantes que cercaram o jovem príncipe. Acima de tudo, o rei Suddhodana tentou manter Siddhartha ocupado com os prazeres e deveres da vida de um príncipe; ele não queria ver seu único herdeiro indo para as florestas para viver a vida de um mendigo. No entanto, o príncipe Siddhartha mostrou de forma consistente uma compaixão por todos ao seu redor, e muitas vezes pode ser encontrado em profunda contemplação. Ao perceber isto, o rei Suddhodana garantiu que o príncipe Siddhartha casasse com aos 16 anos com a bela e encantadora princesa Yashodhara de um reino vizinho chamado Koliyas. Não demorou muito tempo para que o Rei Suddhodana fosse presenteado com um neto, Rahula. O rei esperava que Yashodhara e Rahula fosse o bastante para manter Siddhartha no palácio. Siddhartha, no entanto, não conseguia enxergar qualquer valor duradouro na vida secular de um governante.
Apesar dos esforços do rei Suddhodana para proteger Siddhartha das duras realidades da vida, o príncipe estava dolorosamente consciente dos limites dos prazeres da vida e recompensas. Sua compreensão do destino inevitável de toda a humanidade é relacionada à história dos quatro avistamentos. A história segue contando que Siddharta quis sair dos limites do palácio e visitar o seu reino biga (veículo de duas rodas, puxado por cavalos). O rei Suddhodana concordou, mas ele se certificou de que a rota tomada pelo príncipe fosse livre de visões pertubadoras. Que a rota a ser tomada evitasse áreas de pobreza e indigência. Todos os mendigos, idosos e doentes fossem retirados. A rota também seria limpa e coberta com guirlandas de flores. Depois que todos os preparativos estivessem completos, o príncipe seria autorizado a seguir para fora dos jardins do palácio.
Os deuses, porém, frustraram o plano do rei Suddhodana por evocar a visão de um velho caduco, corcunda e amassado pelos estragos do tempo, uma visão que perturbou profundamente Siddharta. O Príncipe perguntou ao cocheiro se este homem era único ou se todas as pessoas estavam destinadas a tornarem-se velhas. O cocheiro explicou a velhice ao príncipe e disse: “Isto vem para todos nós”. Siddhartha fez mais excursões a partir dos jardins do palácio, e todas as vezes, seu pai tentou rastrear todas as visões perturbadoras da rota escolhida. Os deuses, entretanto, fizeram com que o príncipe fosse exposto a todos os sofrimentos da vida. A próxima visão era de um homem consumido por uma doença.Depois disso, foi a vez de um cadáver rodeado por amigos e familiares em luto. Em cada vez seu cocheiro explicou: “Isto vem para todos nós”. A última visão foi a de um mendigo errante. O cocheiro explicou que este era um homem que tinha renunciado a vida de um chefe de família a fim de encontrar a paz e buscar as resposta para o sofrimento da vida. Siddhartha soube então que este era o caminho que ele estava destinado a seguir. Quão boa era a vida no palácio se ela não oferecia segurança contra a velhice, a doença e a morte? Siddhartha decidiu que se ele estava destinado a ser um conquistador, ele não seria um mero conquistador de reinos; em vez disso, a sua vitória seria sobre o próprio sofrimento. Seria uma vitória para todas as pessoas.
Parte 4 – A GRANDE RENÚNCIA
Uma noite, depois de uma festa especialmente extravagante, Siddhartha viu todas as suas cortesãs esparramadas sobre os apartamentos reais. Na escuridão parecia-lhe como se estivesse vendo pilhas de cadáveres espalhados. O que parecia antes sedutor e sensual era agora grosseiro e repulsivo. Naquela noite ele decidiu deixar o palácio e se tornar um monge. Depois de olhar sua esposa e filho dormindo, por uma última vez, ele tomou seu cavalo e cavalgou para fora do palácio e para floresta com Chandaka, um de seus retentores. Lá, ele cortou o cabelo e trocou suas roupas da corte por uma humilde manta de um mendigo. Ele então enviou Chandaka de volta com seu cavalo e uma mensagem para sua família. Ele não voltaria até que ele tivesse dominado a velhice, a doença e a morte.
Neste ponto, várias pessoas tentaram trazer Siddhartha de volta à vida no palácio. O Primeiro foi um brâmane de Kapilavatsu, que argumentou que ele deveria retornar por compaixão por sua família, pelo dever ao seu reino e a possibilidade de que ele não precisava renunciar a vida familiar para atingir a iluminação. Siddhartha apontou que a dor experimentada por sua família era o resultado de ignorar o fato de que a separação dos entes queridos era inevitável quando chegasse à idade avançada, a morte ou outras calamidades. Ele também destacou que a iluminação tem maior prioridade que qualquer direito secular. Finalmente, a vida de chefe de família é uma fonte de muitas angústias, paixões e outras distrações que o impediriam de atingir seu objetivo.
Em seguida, um conselheiro de Kapilavatsu surgiu, alegando que era inútil desistir dos prazeres do palácio por um objetivo que poderia jamais ser atingido. Talvez não houvessem respostas a serem encontradas. Porque simplesmente não procurar nos Vedas, as escrituras, por uma resposta? A resposta de Siddhartha foi que ele precisava encontrar por ele mesmo se existe uma resposta para o sofrimento da vida. Ele recusou se contentar com a fé cega, fatalismos ou até mesmo agnosticismo.
Finalmente, Siddhartha encontrou o rei Bimbisara, de Magadha, que ofereceu a ele um pedaço de seu reino. O rei Bimbisara não tinha dúvida ao ter ouvido as profecias de que Siddhartha estava destinado a ser um conquistador do mundo e queria ver Magadha como a sede do futuro império. Mais uma vez, Siddhartha rejeitou a oferta de glórias seculares para continuar sua busca pela iluminação. De sua parte, o rei Bimbisara estava tão impressionado pela sinceridade de Siddhartha que fez ele prometer que se atingisse a iluminação ele retornaria à Magadha e ensinaria o caminho para a libertação.
Em sua jornada, Siddhartha encontrou muitos ascetas que praticavam severas disciplinas e formas de automutilação para atingir méritos espirituais e religiosos, além da esperança de renascer em um dos muitos paraísos. Siddhartha rejeitou este tipo de prática extravagante. Porque deveria a satisfação vir da dor? Porque deveria alguém praticar austeridades nesta vida na esperança de se entregar ao desejo na próxima? Onde estava a virtude nisto tudo? Siddharta rejeitou auto-tortura e o egoísmo, julgando inútil na busca pelo fim do ciclo de sofrimento e dor.
Siddhartha então estudou com dois grandes mestres da meditação. O primeiro foi Arada Kalama, que tinha atingido um estado no qual tinha experimentado a liberdade do mundo material, em um estado de não-existência. Siddhartha rapidamente atingiu este estado perfeitamente sob orientações de Arada Kalama. Não era o que ele estava procurando. Ele então estudou com Rudraka Ramaputra, que era apto a entrar em um estado de nem percepção nem não-percepção. Isto também foi uma decepção para Siddharta. Siddharta viu que alterar os estados de consciência por eles mesmos não poderiam mudar a vida de alguém ou prover qualquer resposta significante aos problemas da vida. Em ambos os casos seus mestres pediram-no que ensinasse aos seus discípulos, mas em ambas as vezes Siddhartha negou e continuou sua busca pela verdadeira liberação do nascimento e morte.
Siddhartha então entrou para um grupo de cinco ascetas e viveu uma vida bastante austera e reclusiva por seis anos. Ele esperava que uma vida de renúncia e dura disciplina como o oposto a auto-tortura daria a ele a clareza necessária para encontrar uma resposta. Após seis anos, entretanto, seu corpo estava tão fraco por causa do severo jejum que ele estava próximo da morte e ainda assim nem um pouco perto de seu objetivo.Na verdade, ele passou ao lado do rio Nairanjana ao tentar obter um pouco de água. Uma aldeã chamada Sujata, que ficou comovida por compaixão por ele e ajudou-o a recuperar sua saúde com papa de arroz, salvando-o da morte. Sabendo disto, os cinco ascetas ficaram desapontados com este aparente lapso. Como poderia ele ser ajudado por uma mulher? Como poderia ele abandonar sua disciplina ascética? Com estes pensamentos os cinco ascetas deixaram-no e partiram para o parque dos cervos em Varanasi. Enquanto isso, Siddhartha percebeu que auto-negação era um obstáculo para atingir a iluminação, assim como auto-indulgência.
Parte 5 – O DESPERTAR
Agora é chegada a hora em que Siddhartha realiza seu último objetivo. Ele refletiu sobre um dia em sua juventude quando ele sentou embaixo de uma macieira em um estado de calma permanente e clara consciência. Ele decidiu então, novamente sentar-se embaixo de uma árvore e refletir sobre a vida em tal estado de centrada calmaria e consciência. Após recuperar sua saúde ele foi à base de uma figueira próxima a cidade de Gaya, sentou-se sobre um tapete de grama e fez o seguinte juramento: “Que fique apenas minha pele, tendões e ossos, que seque a carne e o sangue de meu corpo, mas não até que eu atinja a suprema iluminação eu deixarei este estado de meditação.” (The Story of Gotama Buddha, p.94) Esta pode soar como uma atitude extrema a ser tomada, mas não foi sua intenção retornar ao ascetismo ou auto-tortura; ao invés disto, foi uma expressão de sua obstinada dedicação em atingir seu objetivo.
Agora, isto despertou a ira de Mara, o Demônio do Sexto Céu, cujo nome significa “Ladrão de Vidas.” O personagem de Mara pode parecer confuso para algumas pessoas, então uma pequena explicação pode ser feita aqui. O título “Demônio do Sexto Céu” pode parecer bastante peculiar, por exemplo, especialmente àqueles que associam diabos e demônios exclusivamente com o Inferno e os mundos inferiores. A concepção indiana de Mara, entretanto, é um pouco diferente da concepção cristã de Satanás, ainda que haja semelhanças. Na cosmologia indiana, Mara não é um mero punidor de pessoas más em uma vida infernal após a morte, ou um rebelde celestial contra o verdadeiro Deus. Em vez disso, Mara é o ser responsável por toda existência que envolva paixão e desejo, na verdade, ele é também conhecido como Kamadeva, o deus do desejo cujas armas são as flores da sensualidade e desejos que impede todos os seres vivos de realizar a libertação. É de sua responsabilidade como uma espécie de prisão cósmica manter todos os seres vivos presos no ciclo de nascimento e morte. Ele garante que eles estarão constantemente transmigrando através de todos os tipos de existências, de infernais a celestiais, sempre em busca de seus desejos. Mara é o ladrão de vidas porque suas maquinações consistem em roubar o propósito da vida das pessoas, que é conseguir se libertar. De acordo com este conceito, inferno e céu são ambos parte do ciclo do sofrimento. Há, de fato, céus mais puros que estão além da jurisdição de Mara, mas no ensino budista, estes também são considerados estados impermanentes em que apenas por um tempo transcendemos a jurisdição de Mara.
Então Mara estava muito preocupado que Siddhartha estivesse prestes a se libertar de seu reino. Como Siddhartha começou a meditar sob a árvore Bodhi (como o figueiro em que ele estava sentado veio a ser chamado), Mara convocou suas filhas e suas armas demoníacas para prevenir que Siddharta atingisse a iluminação. Sua primeira tentativa foi enviar suas lindas filhas para tentar Siddhartha a voltar a um mundo de prazeres sensuais. Quando suas filhas fracassaram, ele tentou com bruta força enviar seu exército de demônios. Novamente, Siddhartha estava imóvel. Até mesmo quando os demônios atiraram flechas ou jogaram bolas de fogo, ele permaneceu imóvel e os mísseis transformaram-se em flores que flutuaram sem causar qualquer dano no solo. Como uma última tentativa, Mara apareceu, ele mesmo, e desafiou Shakyamuni, dizendo, “O que te dá o direito de presumir que você pode deixar o meu reino de desejos?” A resposta de Siddhartha foi colocar uma mão sobre a terra, e então chamar a própria Terra para que testemunhar que não havia nenhum lugar onde Siddhartha não houvesse se sacrificado em vidas passadas para que se iluminasse por todos os seres vivos. Mara não poderia fazer mais nada, e então fugiu com seu exército. A compaixão e dedicação de Siddhartha permitiram que ele reprimisse Marra e seu exército de demônios.
Agora que todas as distrações, dúvidas e inibições inconscientes simbolizadas pelo exército de demônio foram nitidamente embora, Siddhartha começou a ganhar mais e mais conhecimento sobre a condição da humana, começando com sua própria vida. Ele resgatou todos os eventos de todas as suas vidas anteriores e revisou todas as causas e conseqüências que o levou a chegar à Árvore Bodhi. Em seguida, ele tomou consciência da vida de todos os seres vivos, e então ele viu como suas vidas estavam também governadas pelas causas e conseqüências que eles mesmos tinham colocado em movimento. Finalmente, ele contemplou a cadeia de causalidade, segundo a qual todas as coisas vêm a existir e que todos os seres vivos forjam seu próprio destino. Ele entendeu que todos os seres vivos que sofrem dentro do ciclo de nascimento e morte estão presos devido à busca ignorante de desejos egoístas. Siddhartha então percebeu que todo o sofrimento era devido a um desentendimento da verdadeira natureza da realidade. À medida que a noite chegava ao fim e as estrelas da manhã surgiam ao amanhecer, Siddhartha despertou para a verdadeira natureza da vida; daquele ponto em diante ele passou a ser conhecido como Shakyamuni Buda. O nome Shakyamuni significa “O Sábio do clã Shakya”; enquanto o título Buda significa “Aquele que Despertou”. “Tathagata” é outro nome para o Buda e significa ambos: “Aquele que assim veio” e “Aquele que assim foi”. Este é um título que se refere às habilidades do Buda de ir e vir do reino da Verdade.
O Buda continuou em meditação sob a árvore Bodhi por uma semana. Seu objetivo foi alcançado, mas agora ele tinha que decidir o que fazer em seguida. Neste ponto, Mara viu uma oportunidade de livrar o mundo do Buda antes que alguém pudesse ser liberado. Ele foi então novamente diante do Buda e argumentou que ninguém mais seria capaz de compreender o que ele tinha encontrado; e em de qualquer forma, ninguém mais estaria disposto a abrir mão de seus prazeres mundanos e se dedicar como Siddharta tinha feito. Portanto, seria melhor para o Buda deixar o mundo e entrar no êxtase do nirvana, que é a extinção do sofrimento e da vida mundana.
Como o Buda tinha considerado quão difícil seria ensinar e liberar outros seres, o deus Brahma surgiu e pediu que reconsiderasse em nome de todos os seres vivos. Brahma era o deus que residia no primeiro dos reinos celestes que transcendem o reino celestial dos desejos. Na cosmologia indiana, acredita-se que Brahma seja o deus da criação e o senhor do universo. Também deve ser salientado que no budismo, isto não faz de Brahma um ser superior ao Buda, até mesmo os deuses estão presos no ciclo de nascimento e morte, e suas elevadas posições são apenas estados temporários. Uma vez que mesmo os seres divinos, como Brahma, precisam liberados, o Buda veio a ser conhecido como o professor dos deuses e dos homens.
Brahma argumentou que, assim como um homem afortunado deveria ser generoso, o Buda deveria ser caridoso com o Dharma, ou a Verdade. Além disso, nem todas as pessoas estavam irremediavelmente imersas em ignorância e desejos. Na verdade, alguns só precisavam de um guia e outros precisavam de uma quantidade certa de preparação e assistência, a fim de libertarem-se do ciclo de nascimento e morte. Ouvindo isso, o Buda resolveu ensinar o que tinha aprendido para o bem de todos os seres vivos; e assim, ele partiu para encontrar seus cinco ex-companheiros ascetas, uma vez que estavam mais preparados para ouvir o Dharma. Mais uma vez, Mara tinha perdido, e agora todos os seres vivos receberiam o ensinamento que conduz à iluminação e libertação.