PERGUNTA:

Uma vez eu li que se o Japão tivesse conhecimento do Cristianismo na época de Nichiren, Nichiren talvez poderia ter colocado Jesus Cristo no Gohonzon. Então, pensando nisto, se eu tenho uma profunda reverência por Jesus, estaria sendo correto se eu por uma imagem dele ao lado do Buda Shakyamuni abaixo do Gohonzon? Se não, por quê? Proibir isto, não seria, como o próprio Buda diria, uma maneira de se apegar à própria doutrina?

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RESPOSTA:

Em Kaimoku-sho (Abertura dos Olhos) Nichiren compara os ensinamentos religiosos do mundo que ele conhecia. Eu acho que fica claro com este texto de que ele veria o monoteísmo ocidental como não reconhecendo o renascimento em diversas vidas e também os trabalhos da causa e efeito (karma) por estas diversas vidas. Que só reconheceria os seis mundos (ou talvez não todos eles) e não reconheceria que nada se estende depois da vida humana, mas sim a existência eterna no céu ou no inferno. Então Nichiren avaliaria os monoteísmos ocidentais em uma posição acima do Confucionismo (por pelo menos reconhecerem o céu, inferno e a vida depois da morte) mas não tão acima quanto os Brâmanes estão (que ensinam o renascimento e o karma nos seis mundos).

O Budismo declara que os bodhisattvas podem renascer em culturas não-budistas mas eles não ensinariam os detalhes do budismo: as quatro nobres verdades, o caminho óctuplo, a originação dependente, as seis perfeições, a vacuidade, etc… Eles iriam se limitar a ensinar os cinco preceitos ou os dez cursos de conduta saudável (que antecedem o budismo) em conformidade com as crenças locais. Em Kaimoku-sho Nichiren cita os ensinamentos de T’ient’ai que diz que Confúcio, Lao-tzu e um dos discípulos de Confúcio eram bodhisattvas que foram enviados para ensinar moralidade e cultura à China para preparar o caminho para o budismo.

Então Jesus poderia ter sido reconhecido ou não como um bodhisattva, mas ele certamente não ensinou os detalhes do budismo tais como os ensinamentos relativos à originação dependente ou vacuidade. Ele certamente não ensinou os dez mundos ou suas possessões mútuas. Então, pelo ponto de vista do Budismo Nichiren, ele é desqualificado a ser considerado um Buda. Este naturalmente é um agrupamento de argumentos sobre o que o Jesus histórico pode realmente ter ensinado ou não ensinado. A Nichiren Shu como uma organização não irá sair por aí policiando ou dando diretrizes sobre qual figura ocidental vinda de uma mitologia, folclore, lenda ou história real pode ou não pode ser um bodhisattva ou pratyekabuddha (que também se tornou um iluminado de uma maneira limitada em culturas não-budistas mas não ensinou o Dharma aos outros). Esta é uma necessidade de cada um de nós – mas não podemos impor nossas opiniões aos outros.

Quanto ao Gohonzon, POR FAVOR, lembrem-se que não estamos apenas falando sobre o mandala caligráfico (o pergaminho com kanjis). O Gohonzon, de acordo com Nichiren em Kanjin Honzon Sho (Contemplação da Mente e o verdadeiro foco de devoção) é o Eterno Buda Shakyamuni transmitindo o Maravilhoso Dharma aos Bodhisattvas que surgiram da Terra. Isto pode ser descrito como o mandala caligráfico dos dez mundos, como o Odaimoku por si só, como uma estátua do Eterno Buda Shakyamuni, como uma estátua do Eterno Buda Shakyamuni mais os quatro líderes Bodhisattvas que surgiram da Terra, ou ainda como estátuas do Buda Shakyamuni e o Buda Muitos Tesouros acompanhados do Odaimoku inscrito no Estupa de Tesouros. O importante é que estes retratam o Buda não compreendido parcialmente como o Buda histórico, ou como um Buda glorificado em alguma das terras puras, ou ainda como uma personificação do abstrato corpo do Dharma. Em vez disto, o que é retratado é a integridade holística e completa do Eterno Buda Shakyamuni, que possui todos os três aspectos da iluminação: a histórica, a personificação glorificada de méritos e sabedoria, e o princípio abstrato que é realizado – e que todos os três aspectos estão igualmente ainda por nascer e imortais. Esta visão completa da iluminação é o que nós, como budistas Nichiren, defendemos como foco de nossa prática e devoção, porque é o símbolo completo e não um símbolo parcial de tudo que a iluminação envolve, e que devemos ter como nosso objetivo, ideal e padrão de prática.

No meu próprio Butsudan (altar) eu tenho duas estátuas que cercam o Gohonzon (em formato de mandala). De um lado a estátua de Guānyīn Púsà 觀音菩薩 (bodhisattva Avalokitesvara), e uma estátua chinesa esculpida de Pǔxián 普賢菩薩 (bodhisattva Samantabhadra, conhecido como o patrono ou protetor do Sutra da Flor de Lótus, bodhisattva da Virtude Universal, descrito no capítulo 28). Esta é a minha escolha e eles são patronos (shugojin) legítimos por estarem no entorno do Omandala. Este é o meu Butsudan pessoal e privado. Outras pessoas podem escolher em ter seus patronos, que podem ser consagrados no templo ou não. Todos devem consultar um monge sobre suas escolhas, por exemplo, se forem consagrar suas estátuas no templo. Nenhuma destas coisas, entretanto, devem estar no mesmo nível ou obscurecendo o Gohonzon, porque se elas estiverem, então o que é que está dizendo de onde o nosso foco de prática deve ser? Isto também mostrará que nós não entendemos o porque Nichiren especificou o que realmente o  Gohonzon é, se então colocarmos algo no mesmo nível ou na frente do mandala de forma que impeça que vejamos o que está escrito. Mas supondo que os patronos foram escolhidos com cuidado e adequadamente, o que você está consagrando é o que você está colocando em estreita associação com o Gohonzon, e portanto, perto dos principais valores da sua vida. Certifique-se de que suas escolhas são consistentes e estão de acordo com seus valores fundamentais e não com algo que seja contraditório, algo que seja negativo, algo que seja aleatório, ou algo que seja pouco sincero, pouco verdadeiro.

Novamente, isto é algo que cada praticante deve decidir, em consulta com um monge ou professor qualificado a dar instruções, alguém que conhece profundamente a doutrina e a prática e que pode fornecer alguma perspectiva apropriada e correta.
Namu Myoho Renge Kyo

– Rev. Ryuei McCormick Shonin

Tradução: Icaro Azevedo Matias

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