– Seria a meditação o fator que une as tradições budistas?

Quando comecei a praticar o Budismo, sabia muito pouco sobre isso do ponto de vista intelectual e acadêmico. A única coisa que eu sabia era que, o som de recitar o Odaimoku [título sagrado] do Sutra de Lótus, bem como das várias porções do próprio Sutra, capturou meu coração e meu espírito. Fui imediatamente atraída pela recitação e pelos aspectos ritualísticos da prática – o cheiro de incenso, o arranjo de flores, a luz bruxuleante das velas e os sons rítmicos proporcionavam uma avenida para eu me explorar por dentro.

Depois de meio século de prática, ainda estou recitando. Mas eu também aprendi rapidamente que a fé, a prática e o estudo eram recomendados para uma experiência e compreensão mais profundas da minha vida através das lentes dos ensinamentos. Além dos escritos do Sutra de Lótus e Nichiren Shonin, consultei textos de professores modernos como o Dalai Lama e Thich Nhat Hanh. Eu li uma tonelada de livros. À medida que meu conhecimento se expandia, eu obtinha uma admiração mais profunda por tudo que eu já havia aprendido através da minha experiência real de fé.

Eu não tinha problema algum em pensar em mim mesmo como uma budista até encontrar outros que buscavam no budismo um debate intelectual ou uma técnica de meditação. Eu fui confrontada por acusações diretas de que eu não era uma budista autêntica porque não reverenciava o Buda Shakyamuni histórico. Eu fui ridicularizada por aqueles que achavam que a prática de recitar o título de um Sutra era ridícula. Fui questionada sobre a legitimidade dessa recitação porque todos os budistas de verdade praticavam a meditação silenciosa como o eterno Buda Sakyamuni. Eu sabia que isso era incorreto, historicamente, a transmissão do Dharma foi realizada recitando os ensinamentos do Buda. Mas ouvi tantas coisas diferentes de tantos praticantes budistas diferentes que comecei a ver minha relação com outros budistas ocidentais como uma perda de tempo.

Meus encontros subsequentes com budistas da Ásia abriram meus olhos para o fundamento essencial para todos os praticantes budistas: o Buda, o Dharma e a Sangha. Com eles, nunca houve a questão de saber se eu era uma verdadeira budista, apenas a aceitação de mim como uma colega praticante no mesmo caminho. Embora o Buda identificado em cada uma de nossas tradições não fosse o mesmo, todos nós honramos o Buda Shakyamuni por trazer os ensinamentos à luz. Em resumo, nossa comunhão foi expressa em nossa devoção aos Três Tesouros – não em meditação.

Eu na verdade não me refugiei formalmente nos três tesouros até quase 20 anos depois de começar a minha prática. Mesmo assim, não entendi completamente a importância do ato. Eu só sabia que sempre fui bem recebido como um valioso membro de uma Sangha; que os ensinamentos do Buda deveriam ser estudados, absorvidos e vividos; e que o Buda era como meu pai, meu professor e meu governante. Essa maneira de pensar me assegurou da profundidade da proteção que poderia ser encontrada em minha comunidade e em minha fé.

Apenas em retrospectiva eu pude entender que eu havia aprendido o significado dos Três Tesouros principalmente através dos exemplos mostrados a mim em minha comunidade de fé. Eu não poderia ter articulado a importância dos Três Tesouros, porque nunca foi expresso em palavras. Em vez disso, expressou-se vividamente na experiência de encontros cotidianos na vida de uma Sangha bem desenvolvida.

Em todas as reuniões em que participei, a sensação de boas-vindas era tão grande que a maioria de nós não saia quando a cerimônia terminava. Passávamos horas conversando, muitas vezes compartilhando comida. Não havia tópico que não pudesse ser discutido; nenhum problema que não pudesse ser compartilhado. Quando alguém falecia, a Sangha ia imediatamente para a casa do membro e, um por um, saudava pessoalmente a família e depois se ajoelhava ao lado deles para recitar o Odaimoku durante a noite. Nossos professores também estavam presentes, mostrando-nos a cada oportunidade como apoiar uns aos outros nos momentos de dificuldades, não importando a hora ou a necessidade.

Não importa qual escola de budismo a pessoa pertence, todos nós compartilhamos o conceito dos Três Tesouros. Todos nos refugiamos neles, mesmo que não entendamos o que isso significa. E dentro de nossas respectivas comunidades, cada um de nós começou a jornada de uma experiência budista real baseada neles.

O Buda é aquele a quem nos conectamos, porque ele modelou como um um ser humano comum pode se tornar um ser desperto. Ele expressou a eternidade daquele despertar inerente em nossas vidas como a natureza de Buda, que todos nós possuímos.

O Dharma é a personificação desse despertar: nosso guia, se você quiser, apesar da natureza variada dos caminhos seguidos. O Dharma permite que todos nós nos desenvolvamos em seres totalmente desenvolvidos, apoiados nas bases da sabedoria, moralidade e ética.

A Sangha é o tesouro do nosso maior anseio, pois proporciona a todos nós um sentimento de pertencimento e um refúgio seguro; uma base a partir da qual podemos crescer e nos desenvolver; uma maneira de se comprometer com a excelência na prática; e acima de tudo, uma conexão com o coração de compaixão.

Podemos considerar uma semelhança adicional: os Três Selos do Dharma, que são considerados tanto as características do Dharma quanto a prova de sua autenticidade. Esses selos são impermanência; a falta de um eu persistente; e nirvana, que é paz perene. Sempre fui ensinada que os Selos do Dharma eram a chave para saber se os ensinamentos que seguimos são consistentes com a intenção do Buda. Os Selos são relevantes para todas as Escolas do Budismo, porque fornecem uma maneira de garantir que abraçamos a natureza real e ótima da existência, conforme expressa por Sakyamuni, o Buda Eterno.

Quando encontro hoje outros Budistas, de Escolas orientais ou ocidentais, sei, sem dúvida, que somos ligados, não porque meditamos – seja em silêncio ou recitando – mas, porque nos refugiamos nos Três Tesouros e podemos avaliar os ensinamentos baseados nos Três Selos. Através desse relacionamento, podemos nos cumprimentar com profundo respeito e aceitar uns aos outros como companheiros no caminho do Buda.

Por Reverenda Myokei Caine-Barett

fonte: https://tricycle.org/magazine/our-common-thread/

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